sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A beleza empacotada e capitalizada - Parte I: A Indústria dos Esqueletos


Morreu, no passado dia 17 de Novembro de 2010, a modelo e actriz francesa anoréctica Isabelle Caro. A notícia foi apenas divulgada dia 29 de Dezembro, pelos média. Recordemos que esta modelo aceitou ser fotografada nua para o polémico fotógrafo Oliviero Toscani na Campanha "No Anorexia" pela Benetton. A Campanha tinha como objectivo alertar @s jovens adolescentes e a Indústria da Moda para os efeitos negativos deste distúrbio alimentar (as fotografias da campanha estão à esquerda do texto). Segundo consta, a modelo morreu de complicações associadas a pneumonia.
( http://www.euronews.net/newswires/664045-french-no-anorexia-model-dies-at-age-of-28/ , http://www.youtube.com/watch?v=D9jHlBoAMyU&feature=channel )

Após a publicação destas fotografias, muitas acções se multiplicaram, aqui e ali. Algumas vozes fingiram gritos de preocupação. Gritos associados a uma súbita "descoberta" do número de pessoas com estes distúrbios alimentares (de entre os quais se inclui a bulimia). "Descoberta" esta há muito feita por psicólogos e cientistas. Na verdade, não era preciso uma grande inteligência ou perspicácia para o perceber. Também por volta desta altura, houve a divulgação e exploração mediática de casos de mortes causadas por complicações graves de sintomas do distúrbio alimentar, nomeadamente a da modelo brasileira Ana Carolina Reston que morreu, em 2006, de complicações associadas à anorexia, pesava 40 quilos e media 1.74 metros.

Enquanto tudo isso se passava, cresciam várias comunidades online, ligados ao “grupo” ANA. Este "grupo" vê a anorexia como mais um estilo de vida e personifica a anorexia como uma amiga: a ANA. Essas comunidades dão, na sua generalidade, diversos conselhos sobre como perder peso e atingir o objectivo de magreza mais rapidamente. ( http://www.youtube.com/watch?v=uB1dsmTGFbI )

Evidenciou-se toda a preocupação por parte dos média internacionais sobre o assunto, recorreu-se a entrevistas, reportagens, peritos. Perante esta novidade, o Governo Francês e o Brasileiro (segundo pesquisei, os únicos) decidem tomar uma posição e acção política. Foi então instaurada a lei do punimento de comportamentos que incitem à anorexia ou bulimia, que poderia ir desde uma multa de 30.000 euros a 2 anos de prisão.( http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2008/04/15/bons-exemplos-franca-vota-lei-para-punir-incitacao-a-anorexia/ ) Por outro lado, estipulou-se que as modelos exageradamente magras seriam excluídas das passerelles (ninguém se preocupou em fornecer ajuda psicológica a todas, caso fosse necessário). Duas leis que nem feriram de raspão o problema. Coincidência?
De qualquer forma, ambas as leis foram muito aclamadas e aplaudidas "afinal eles até se preocupam com os nossos assuntos", pensou o sempre naîve Zé Povinho.
Em Portugal realizaram-se tímidas medidas de combate ao conceito de "magreza como forma única de beleza", por parte de independentes da Indústria.

O Governo demonstrou interesse, o Povo escutou e aplaudiu. Tudo feliz e contente, parecia que finalmente este assunto tinha sido resolvido de vez e as mortes das jovens tinham sido "vingadas". Muito bem. Os média pararam de incidir e explorar freneticamente o assunto, estava tudo resolvido. Foram brincar com outro brinquedo como seria de esperar de uma criança a quem lhe vão tirando brinquedos sucessivos por ser proibida a sua descoberta. Afinal, argumento que foi aplaudido por muitos, tanta informação só faria com que as jovens desejassem com maior fervor atingir o extremo de magreza.

Por fim, o brinquedo foi deitado para o lixo, ou melhor dizendo, foi guardado na prateleira dos adultos. Depressa entendi que o drama não tinha parado, mas tinha sido antes convenientemente abafado para bem da imagem Governamental e da Indústria da Moda. Coitados que nada poderiam fazer, pois o mal estaria sempre nas adolescentes confusas e perturbadas. "Só necessitam de ajuda psicológica, pois já cortámos com as causas associadas à pressão social."

Mais um passo generoso por parte desta Indústria devoradora de saúde, tal como é a Indústria da Dança e todas as que se preocupem com um conceito fabricado de beleza física-magreza. Muito aplaudido e até com direito a presença no programa "Oprah", gurus que sempre se preocuparam com a imagem "bonita" do magro, assim como em incentivar a anorexia, ousaram organizar desfiles para mulheres "gordas" [com números correspondentes ao 38]. Um dos casos mais marcantes é o facto da actual "Fashion Week", em Paris, incluir números "grandes". Que boa esta caridadezinha por parte dos sistemas Capitalistas! Pelos vistos, estas Multinacionais não magoam ninguém e fazem tudo ao seu alcance pelas pessoas.

Maus maus, piores que os gurus, são os que ainda criticam. Deitam abaixo uma criança que está a aprender erradamente os primeiros passos. Não sejamos tão hipócritas, naîves e esquecidos quanto estes todos. Desde então, fizeram-se críticas satisfatoriamente claras a este sistema pré-fabricado. ( http://www.movimentorevolucionario.org/artigos/anorexia.html ). Estava encontrada a raíz principal e a sua relação com as falhas de um sistema arruinado.

Antes de mais, explicitaremos o peso da intervenção da pressão social na raiz dos distúrbios alimentares:

Para os que não são entendidos na matéria, a anorexia é “uma disfunção alimentar, caracterizada por uma rígida e insuficiente dieta alimentar (caracterizando em baixo peso corporal) e stress físico. (…) A anorexia nervosa é uma doença complexa, envolvendo componentes psicológicos, fisiológicos e sociais.” e a bulimia é “ uma disfunção alimentar. Cerca de 90% dos casos ocorre em mulheres. A pessoa bulímica, de acordo com os critérios diagnósticos do CID 10, tende a apresentar períodos em que se alimenta em excesso, muito mais do que a maioria das pessoas se conseguiriam alimentar num determinado espaço de tempo, seguidos pelo sentimento de culpa e tentativas para evitar o ganho de peso com jejuns, exercícios, vómitos auto-induzidos, laxantes, diuréticos e/ou enemas.”

Definições à parte, não erremos ao julgar que as causas destes distúrbios são somente devidas à pressão social do conceito de beleza, à criação de modelos errados para jovens adolescentes, à discriminação e à constante exclusão de pessoas com formas corporais diferentes das estipuladas pela sociedade. Existem variados motivos, os quais não enunciarei aqui, mas deixarei dois sites com um resumo de alguns (http://en.wikipedia.org/wiki/Anorexia_nervosa , http://en.wikipedia.org/wiki/Bulimia_nervosa ). Não obstante, não podemos ignorar o elevado peso, especialmente num(a) jovem que ainda está a responder à pergunta "Quem sou eu?", da imposição de modelos de beleza (que em certos pontos até contradizem os conceitos biológicos e adaptativos da mesma) e do sentimento de impotência, frustração, exclusão e aumento da falta de auto-estima. Tudo isto pode levar ao trauma de um indivíduo em crescimento.

Deste modo, não seria de esperar que a anorexia de Isabelle Caro fosse fruto de apenas uma causa. Segundo relatou, duas são claras: a pressão e ansiedade criadas pela mãe e a imposição do modelo de beleza feminino fomentado pela Indústria da Moda. Ao longo do tempo, os motivos continuaram a ser os mesmos, mas o valor das implicações foram alteradas ao longo das entrevistas e do crescimento da mediatização sobre o assunto. Misteriosamente, o argumento inicial com maior influência para o desenvolvimento da doença (o modelo de beleza) foi diminuindo de importância e o problema familiar tornou-se mais popular. Curiosa conveniência? Pois bem. (http://www.youtube.com/watch?v=D9jHlBoAMyU&feature=channel - CBS: entrevista em que a modelo fala sobre as causas da sua doença)

Este problema não é exclusivo do mundo feminino. Embora com menor incidência, a Indústria da Moda também estabelece pressão sobre a beleza masculina, estando a aumentar o número de casos observados em homens e fomentando a obsessão pela imagem, tendo por base o mesmo motivo.

Acalmemos as massas. Não é caso único. Outra Indústria do Esqueleto é a da Dança, que sempre exigiu um modelo do esbelto e magro como modelo ideal. Levando à magreza extrema como é o caso de Ana Lacerda (fotografada à esquerda) que, mesmo assim, continua a ter uma posição chave na Companhia Nacional de Bailado. Contraditoriamente, a pressão realizada em bailarinos/dançarinos masculinos é muito menor. A procura de uma mesma profissão para tão pouco investimento dá no que dá.

A notícia passou de boca em boca: desde séries a novelas, programas a anúncios, tudo bate no mesmo. The Biggest Loser, Family Fat Surgeon, Morangos com Açúcar são exemplos. Hoje em dia, quem não incita a este modelo de beleza tem um negócio praticamente arruinado. Parece ser tudo o que o cidadão comum deseja.

Actualmente, duvido que alguém se sinta isento da pressão criada para preencher esta caixinha que não nos cabe.
Essa pressão não está em passerelles, palcos, mas no nosso dia-a-dia, afectando as nossas relações e auto-estima. Quantos de nós não olharam para uma gordurinha como algo negativo? Quantos de nós se sente realmente bem com a sua imagem?

Mas quem nos traz essa visão e qual o interesse nisso?

Ao reduzir os números produzidos, quanto menos tecido for utilizado (menos recursos), e ao criar este desejo louco por um número/figura/ideia, maior compra desses produtos haverá, maior lucro. O desejo tornou-se parte de nós que, levando “pancada” diária e constantes lavagens cerebrais com anúncios, o desejamos mais do que o próprio desejo que realmente sentimos. Tudo por imposição social. Uma evidente técnica capitalista com consequências gravosas.

Após este breve achego à situação actual, inicio a minha crítica política, social e activista. Não estou aqui para fazer mais textos reflexivos, já muito se falou e pouco se fez.

A alternativa será a criação de todo o tipo de tamanhos, sem imposição, mas aceitação da realidade como ela é: variada. Demonstrar um "leque de opções", sem os objectificar nem massificar, mas personalizar. Não se exclui as pessoas naturalmente magras, mas incluem-se as mesmas num leque maior. A criação de pequenas indústrias mas com sucesso, que se importam com o bem-estar e não só com o lucro. A incentivação da personalidade e beleza de cada um. A destruição do modelo único de manequim, que em nada corresponde à realidade. Diminuição da pressão social nos média. Penalização das empresas capitalistas que fomentam esta repressão. Disto todos sabem e falam, mas ataques certeiros e activistas ninguém os faz.

A Associação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos (AFAAB) ( http://afaab.org/index.php?secid=5 ) tem feito muito trabalho, mas não consegue ter uma acção activista e política forte e clara o suficiente para enfrentar "os grandes", até porque não é este o seu objectivo principal.

Por outro lado, não têm existido movimentos, medidas ou decisões políticas concretas, arrebatadoras e capazes de enfrentar quem quer que seja sobre o assunto. Muito se faz sobre Multinacionais, mas não neste tópico. Nem da esquerda.

Rejeito medidas ineficazes como as tomadas pelo Governo Francês, mas medidas anti-capitalista, “pró-personalidade própria” e capazes de fomentar a valorização do direito à diferença seriam certamente valorizadas.

Assim como os especuladores, os fraudulentos e os mercados financeiros não são um conceito abstracto e têm nomes, culpa e vergonha escritas na cara, a criadora destes conceitos irreais são Multinacionais e Companhias reais.
Para uma pessoa de classe média e cliente habitual de Centros Comerciais, estes nomes são comuns: Bershka, Pimkie, C&A ( não tanto mas também), Stradivarius, Triumph, Women’Secret, Pull and Bear (não tanto na secção masculina), Gant, anúncios a perfumes, entre muitos, muitos outros. Basta um dia de compras para nos apercebermos deste facto. Na Dança: o Conservatório Nacional, Companhia Nacional, entre quase todas as Companhias e Conservatórios existentes.
Enquanto o segundo grupo pode ser um ataque polémico quanto à organização da própria arte, que pode ter imensas implicações e levantar mais questões que a ajudar à concretização de objectivos activistas, o primeiro grupo afecta-nos intimamente, é de "fácil" compreensão e resolução e é claramente o maior responsável desta perversão de conceitos.

Temos contra quem nos virar, alvos reais, palpáveis e presentes, não fazemos porque não o desejamos. Talvez porque são grandes demais. Mas nada é grande demais para levar com a responsabilidade do que fazem.
Uma decisão política não chega, mas ajuda. Uma nacional e outra, essencialmente, internacional.

Isto afecta-nos mais do que julgamos. Destrói-nos a personalidade, tal como um bully destrói a das vitimas num bullying constante e masoquista. O Miguel apelidou os portugueses de masoquistas, eu direi que é um problema além-fronteiras. Somos ovelhas reprimidas, homossexuais em tentativa de tratamento de reconversão.

Afinal, o Capitalismo louco é para ser combatido em todas as suas vertentes ou só em algumas?

A notícia desastrosa da morte da modelo foi apenas um pretexto para relembrar a relutância social e partidária em mudar estes conceitos, a custo de vidas e da felicidade dos próprios. Como sempre, temos a noção que somos nós que temos tudo errado, o sistema sabe sempre mais que os próprios. Este é um balanço altamente negativo, feito ao longo de 7 anos, que revela o desinteresse no assunto e a falta de coragem que por aí anda.

Na minha opinião, todas as tentativa com vista à mudança real falharam. É preciso atacar o coração e não só braço, se quisermos realmente matar o mal. Um ataque certeiro e feroz.

Para quando a nossa vida? Continuamos a fingir desejar esqueletos, mesmo que não os desejemos? Continuamos a vender-nos a qualquer preço? A fechar os olhos? A ignorar a importância do assunto? A sermos iguais num sistema que nos quer igual? A fazer tudo por aceitação? Ou está na altura da revolta?!

Caros leitores, as reais porcas da Indústria dos esqueletos somos nós próprios.

Catarina.

[A continuação da crítica à Indústria da Moda continua no post seguinte]


Alguns dos artigos consultados:

http://en.wikipedia.org/wiki/Beauty
http://www.euronews.net/newswires/664045-french-no-anorexia-model-dies-at-age-of-28/
http://www.youtube.com/watch?v=aTIjRxT_Y9g
http://www.youtube.com/watch?v=D9jHlBoAMyU&feature=channel
http://www.youtube.com/watch?v=uB1dsmTGFbI
http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2008/04/15/bons-exemplos-franca-vota-lei-para-punir-incitacao-a-anorexia/
http://www.movimentorevolucionario.org/artigos/anorexia.html [20/04/2008]
http://en.wikipedia.org/wiki/Bulimia
http://en.wikipedia.org/wiki/Anorexia_nervosa
http://en.wikipedia.org/wiki/Anti-fat_bias
http://en.wikipedia.org/wiki/Fasting_girls
http://br.noticias.yahoo.com/s/29122010/11/saude-anorexia-morte-modelo-reaviva-alerta.html
"Anorexia e Bulimia" de Isabel do Carmo.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Ciência, política e os exemplos do género e orientação sexual


Nos últimos anos da década de 1920, um ambicioso cientista com poucos escrúpulos ascendia à direcção da Academia de Ciências Agrícolas da União Soviética. O seu nome era Trofim Lysenko, e lograra convencer Stalin de que toda a ciência genética estava errada. A genética foi estigmatizada como «ciência burguesa» e os mais importantes geneticistas (incluindo Nikolai Vavilov) foram presos, executados ou enviados para campos de trabalhos forçados. Em seu lugar, Lysenko e o mecanismo de Estado propagandearam uma «ciência revolucionária» baseada no princípio antidarwinista e antimendeliano da hereditariedade das características adquiridas, despoletando um conjunto de reformas políticas, sociais e agrícolas em larga escala. Como resultado, milhares de milhar de pessoas morreram de fome, devido às reformas agrícolas catastróficas numa agricultura já enfraquecida pela colectivização apressada (e a biologia soviética sofreu um atraso de décadas).

A história de Lysenko, o charlatão que se tornou responsável pela morte de grande parte da população russa, é um exemplo claro das consequências de permitir a manipulação e a distorção do processo científico a fim de atingir uma conclusão predeterminada, ditada por um preconceito ideológico.

A manipulação ideológica da ciência é um problema que não conhece cor política. Seja o mito marxista do socialismo científico ou o darwinismo social da direita neoliberal, ideólogos de ambos os lados da paisagem política asseguram-nos de que os dados da ciência apoiam as suas ideias. Mas a ciência, análise objectiva da realidade, é cega à política. A própria ideia lysenkoista de «ciência burguesa» ou «ciência revolucionária» deveria fazer um arrepio percorrer a espinha do leitor. E contudo é uma ideia que permanece viva, especialmente entre as ciências sociais e humanas.

Não significa isto, naturalmente, que a ciência não deva iluminar o processo de decisão política. Significa, isso sim, que não podemos, por um lado, extrapolar da ciência mais do que aquilo que ela nos diz (falácia naturalística, conforme cometida pelos darwinistas sociais, por exemplo) e, por outro, escolher a dedo que áreas científicas nos agradam, rejeitando as outras (negacionismo, conforme cometido pelos criacionistas e pelos negacionistas do aquecimento global, por exemplo). Em vez disso, devemos aceitar o corpus científico como um todo e deixar este conhecimento guiar as nossas decisões. Como diz o biólogo Richard Dawkins:

«A ciência não tem métodos para decidir o que é ético. Isso é um assunto para os indivíduos e para a sociedade. Mas pode clarificar as questões que estão a ser feitas e esclarecer mal-entendidos. [Por exemplo,] a ciência não nos pode dizer se o aborto é errado, mas pode apontar que o contínuo (embriológico) que liga um feto não-senciente a um adulto senciente é análogo ao contínuo (evolutivo) que liga os humanos às outras espécies (…), [pelo que] talvez seja inconsistente pensar que o aborto é assassínio mas que matar chimpanzés não o é. (…) A ciência não nos pode dizer se é correcto matar “Mary” para salvar a uma gémea siamesa “Jodie”, mas pode dizer que uma placenta é um clone verdadeiro do bebé que alimenta. (…)» (in A Devil’s Chaplain).

Um dos temas mais perturbados por esta tendência lysenkoista de subordinar a fraseologia científica à ideologia política é a questão do género e da identidade sexual. Mais uma vez, os factos científicos são manipulados, ignorados, inventados, distorcidos, omitidos e seleccionados da forma mais inventiva e, mais uma vez, nenhum dos lados do espectro político é inocente.

A esquerda, por exemplo, é culpada de ignorar a influência biológica nos comportamentos associados ao género. Esta questão é parte de um leitmotif mais abrangente da esquerda: a negação do substrato biológico como influência do comportamento humano. Ninguém duvida que os genes podem dar forma à anatomia. Contudo, a ideia de que também podem dar forma ao comportamento é oposta ao conhecimento convencional que dominou a psicologia e todas as outras ciências sociais no século XX — ciências sociais essas que têm sido vastamente influenciadas pelo pensamento esquerdista. Assim, a academia esquerdista tem tendência a acusar tudo aquilo que entende (erradamente) como «determinismo genético» — um conceito mal definido e, em grande medida, inventado, que não é defendido por nenhum cientista sério — enquanto o substitui, bizarramente, por outras formas diversas de determinismo para ocupar o seu lugar: cultural, linguístico, parental-freudiano, socioeconómico, político, paritário, de estímulo/resposta, entre outros. Assim, numa diversão que durou quase um século, os cientistas sociais lograram persuadir pensadores de muitos tipos que a causalidade biológica era determinismo enquanto que a causalidade ambiental preservava o livre arbítrio.

Desta forma, sociólogos e psicólogos behaviouristas, marxistas e freudianos (por exemplo) tapam os ouvidos à evidência de que a biologia influencia o comportamento associado ao género. «Os rapazes só brincam com carros, e as meninas com bonecas, porque a sociedade assim o determina!», asseguram, apesar da evidência experimental em contrário (como os estudos em que macacos preferem brincar com carros ou bonecas, dependendo de serem machos ou fêmeas, embora não haja pressão social nesse sentido dentro das suas «sociedades»).

Nos anos 1960, nos Estados Unidos, uma circuncisão mal-sucedida deixou um rapaz com o pénis gravemente danificado, que o médico decidiu amputar. Foi decidido tornar o bebé numa rapariga por castração, cirurgia e tratamento hormonal. John tornou-se Joan: vestia vestidos e jogava com bonecas. Em 1973, John Money, um psicólogo freudiano, afirmou publicamente que Joan era uma adolescente bem ajustada, pondo um fim à especulação: os comportamentos associados ao género eram, proclamou Money, constructos sociais. Só em 1977 é que alguém verificou os factos. Quando Milton Diamond e Keith Sigmundson procuraram Joan, encontraram um homem, alegremente casado com uma mulher. A sua história era muito diferente da contada por Money: tinha-se sentido profundamente descontente enquanto criança, sempre quisera usar calças, misturar-se com os rapazes e urinar de pé. Terminou o tratamento hormonal, mudou o seu nome de novo para John e casou-se aos 25 anos.

A conclusão é que os rapazes e as raparigas têm interesses sistematicamente diferentes desde o próprio começo do comportamento autónomo. Convergentemente, evidência cromossómica (o chamado imprinting genético) sugere que o cérebro é um órgão com um género inato.

Que a cultura influencia os comportamentos associados ao género, não há dúvida. A questão não é se a cultura terá algum papel a tomar, porque ninguém alguma vez negou que o faça. Mas que a biologia não tem qualquer influência nos mesmos é uma falsidade igualmente grande. O debate nature vs nurture (natureza vs educação) baseia-se sobre uma falsa dicotomia, e a evidência combinada da biologia, da psicologia e da sociologia converge agora para a ideia de que tanto o substrato biológico como o ambiente social desempenham o seu papel na determinação do comportamento.

Temo ser mal interpretado na minha exposição: quase consigo ouvir teóricos queer a acusarem-me de promover uma dicotomia inexistente entre «rapaz» e «rapariga», lembrando-me de que não há uma relação causal entre sexo e identidade de género. Porém, tais hipotéticas críticas são desnecessárias e falham o ponto, na medida em que eu concordo que a distinção entre as identidades de género é artificial e arbitrária — é uma distinção abrupta entre dois géneros conformes aos preconceitos de uma sociedade heteronormativa e essencialista.

Como disse Lineu, o biólogo que sistematizou a nomenclatura científica binominal para as espécies vivas, natura non facit saltum («a natureza não faz saltos»): a biologia funciona em espectros contínuos e não em pretos e brancos. É de esperar que a distribuição dos comportamentos associados ao género seja, estatisticamente, gaussiana, caindo os comportamentos numa curva em forma de sino. As proposições da biologia são, pela natureza desta ciência, aproximações e generalizações: o comportamento heteronormativo corresponde à média da curva (o ponto de ordenada mais elevada), mas é de esperar todo o contínuo de posições associadas aos restantes pontos do domínio da função.

Portanto, quando dizemos que «os rapazes e as raparigas têm interesses sistematicamente diferentes», referimo-nos a casos-tipo e não se exclui (pelo contrário, é de esperar) que existam indivíduos com comportamento dissociado daquele identificado para a média da população de igual sexo anatómico.

Em adição, é importante não cair na já mencionada falácia naturalística: estas constatações não significam que comportamentos associados ao género oposto, ou mais genericamente não-heteronormativos, devem ser desencorajados, ou punidos, ou que são antinaturais. Tratar os comportamentos não-heteronormativos como anómalos é contrário a uma correcta interpretação estatística dos dados científicos.

As hipotéticas críticas segundo as quais a influência biológica no comportamento associado ao género é contrária à teoria queer são, portanto, infundadas.

Mas dizia eu, anteriormente, que o lysenkoismo é um pecado cometido tanto à esquerda como à direita. Nenhum dos lados do espectro político é inocente. Se, por um lado, a esquerda na qual me integro ignora a influência do condicionamento genético, por outro lado, a direita conservadora é profícua em neuroses sexuais, impondo normas de vida que distinguem as pessoas em géneros polarizados (masculino e feminino) com papéis naturais distintos e cumpridos através de relações sexuais e maritais heterossexuais.

Os conservadores caem, portanto, no erro oposto: procuram moralizar o comportamento que vêem como «natural», associando comportamentos não-heteronormativos a piáculos antinaturais que devem ser reprimidos. Por esta altura, o leitor identificará provavelmente a falácia naturalística inerente a este pensamento.

Mas a intolerância conservadora em relação ao comportamento não-heteronormativo vai frequentemente mais além desta abordagem, procurando caracterizar tais comportamentos como «doenças que podem ser tratadas» ou como «escolhas».

«Devemos ter cuidado em aceitar a afirmação de que algumas pessoas ‘nascem para ser gays’, não apenas por ser falsa, mas porque providencia apoio às organizações de direitos dos homossexuais», escreveu a conservadora Lady Young no Daily Telegraph a 29 de Julho de 1998.

Contrariamente, a evidência científica aponta para a conclusão de que a homossexualidade é uma propensão inata, biológica, em vez de ser consequência de pressões culturais ou de escolha consciente. Não há qualquer sombra de dúvida de que a homossexualidade é altamente hereditária. Num estudo, por exemplo, entre cinquenta e quatro homens gays que eram gémeos falsos, doze tinham gémeos que também eram gays; e entre cinquenta e seis homens gays que eram gémeos idênticos, vinte e nove tinham gémeos que também eram gays. Dado que os gémeos partilham do mesmo ambiente, quer sejam falsos, quer sejam idênticos, tais resultados implicam que um ou mais genes são responsáveis por cerca de metade da tendência para um homem ser gay. Uma dúzia de outros estudos chegou à mesma conclusão.

Qual é, então, a explicação genética da homossexualidade? Este é um tema complexo que não está perto de chegar a uma resposta definitiva; porém, parece haver dois indícios que explicam satisfatoriamente a homossexualidade no caso de homens (pessoas com sexo biológico masculino, i.e., com um cromossoma Y funcional). As explicações para o lesbianismo não são claras, mas a assumpção razoável é que são igualmente genéticas (embora não pareçam ser determinadas pelos mesmos genes que actuam no caso da homossexualidade em homens).

A primeira explicação para a homossexualidade em homens parte de um estudo de Dean Hamer, que entrevistou 110 famílias com membros gays, tendo notado que a homossexualidade em homens corre pela linha feminina. Isto sugere que o gene para a homossexualidade jaz no cromossoma X (o único conjunto de genes que um homem herda exclusivamente da sua mãe). Comparações de marcadores genéticos apontam especificamente para a região Xq28 (homens gays partilham a mesma versão desta região 75 % das vezes, o que estatisticamente exclui a possibilidade de coincidência com um intervalo de confiança CI = 99 %).

A ideia de um alelo (versão de um gene) que determine a homossexualidade parece bizarra, porque tal alelo seria rapidamente eliminado pela selecção natural (esta mesma razão exclui, a propósito, explicações adaptacionistas para a homossexualidade). Contudo, o biólogo evolutivo Robert Trivers sugeriu uma justificação baseado no estudo de Dean Hamer: um cromossoma X passa o dobro do tempo em mulheres do que em homens (as mulheres têm genótipo XX, os homens XY). Assim, um gene sexualmente antagonístico (i.e., que tem um efeito diferente dependendo de estar num homem ou numa mulher) que beneficie a fertilidade feminina (aumentando as hipóteses de os seus portadores se reproduzirem se forem mulheres) sobrevive, mesmo que tenha um efeito deletério duplamente grande na fertilidade masculina.

A segunda explicação para a homossexualidade parte da constatação, cada vez mais clara, de que a orientação sexual está correlacionada com a ordem de nascimento: um homem com irmãos mais velhos tem maior tendência para ser gay (cada irmão mais velho parece aumentar a probabilidade em um terço). Este efeito foi verificado na Grã-Bretanha, na Holanda, no Canada e nos EUA, em muitas amostras populacionais diversas.

A explicação freudiana para este efeito (que a dinâmica de crescer numa família com irmãos mais velhos predispõe para a homossexualidade) está provavelmente errada. A resposta jaz uma vez mais no antagonismo sexual genético.

Não há efeito análogo para lésbicas, que estão distribuídas aleatoriamente dentro das suas famílias. Em adição, o número de irmãs mais velhas é irrelevante na previsão de homossexualidade masculina. A melhor explicação diz respeito a um conjunto de três genes activos no cromossoma Y (aos quais chamaremos genes H-Y) que sintetizam o «antigénio menor de histocompatibilidade H-Y». Este composto sintetizado pelos genes H-Y é semelhante (mas não igual) à hormona anti-Mulleriana, uma substância vital à masculinização física dos genitais.

Um antigénio (como o composto sintetizado pelos genes H-Y) é um composto que, quando introduzido no corpo de outra pessoa, provoca uma reacção do sistema imunitário. Por exemplo, muitas bactérias patogénicas têm antigénios, pelo que ao serem introduzidas no nosso corpo, o nosso sistema imunitário reage contra elas. No caso dos genes H-Y, a síntese do composto por parte do bebé provoca uma reacção do sistema imunitário da mãe durante a gravidez. O sistema imunitário da mãe procura combater este composto.

Ora, da mesma forma que após uma infecção por parte de determinada bactéria patogénica ficamos imunizados contra ela (i.e., o sistema imunitário «aprendeu» a reagir contra os antigénios bacterianos), assim acontece nas sucessivas gravidezes masculinas. O sistema imunitário da mãe «aprende», nas sucessivas gravidezes, a reagir contra os antigénios produzidos pelos genes H-Y.

Desta forma, um ventre que já alojou bebés masculinos está imunizado contra o antigénio produzido pelos genes H-Y do bebé e impede que este actue sobre o mesmo. O efeito da ausência deste antigénio no bebé parece ser a maior tendência para a homossexualidade. Numa experiência em que ratos de laboratório bebés foram imunizados contra os antigénios H-Y, eles cresceram incapazes de se reproduzirem.

Estes são os dados experimentais, empíricos e verificáveis que a ciência nos fornece. São filtrados pelo processo de revisão paritária, porque nas revistas científicas os editores procuram revisores que critiquem os artigos a fim de assegurar a sua validade. Estas são as formas encontradas pela ciência para promover a objectividade das suas conclusões. A ciência pode dar, portanto, grandes contributos na resolução dos nossos problemas sociais, ao ajudar-nos a basear as nossas políticas e julgamentos na realidade.

Os ideólogos, por contraste, preferem inventar as leis da natureza. Quando ideólogos ditam a ciência, ficam emaranhados nas suas próprias mentiras; a sociedade, tendo abandonado o método científico, perde o seu referencial empírico, e a verdade torna-se relativa.

Tal politização lysenkoista da ciência, tanto da esquerda como da direita, tenderá a crescer à medida que a biologia afecta cada vez mais as nossas vidas — desvendando os segredos dos nossos genes e do nosso cérebro, dando novas formas às nossas origens e à nossa natureza, adicionando novas dimensões à nossa compreensão do comportamento social.

A lição crucial a tirar da história de Lysenko é o perigo de propagar ideologias políticas sob a guisa de ciência.

São Leais os Carneiros que seguem o Pastor?


Este texto é para todas as estruturas de poder, e para todas a estruturas partidárias desde o BE ao CDS. Um burburinho por parte de alguns que tenho registado no meu partido, Bloco de Esquerda, face a uma posição que aqui tomei enquanto à candidatura de Manuel Alegre. Para responder a futuras e eventuais acusações de deslealdade e outras. Tentando mostrar que a crítica e a diferença de opiniões não são "deslealdades".

Desleal com a mentira e a hipocrisia. Leal com a transparência e a clareza. Não vou com a corrente, penso livre, pela minha própria cabeça, será isto ser desleal?


O pensamento dominante e os seus papagaios e discípulos

É interessante que em todas as estruturas frágeis ou fortes com uma actividade burocrática grande começam a surgir os pensamentos administrativos do funcionarismo dos partidos.
Os funcionários destes normalmente tem medo de se virarem contra o pensamento dominante, porque isso pode lhes custar o emprego, permanecem em silêncio, jogam o jogo.

Os aspirantes a subir na estrutura partidária repetem o que os seus líderes e mestres dizem à letra, com a esperança de algum dia conseguirem um tacho pela boa "lealdade" prestada com o partido.

No meio disto, só resistem as pessoas que ainda têm ideais, originalidade, independência, e acima de tudo que pensam pela sua cabeça antes das estruturas terem uma opinião oficial. Perante os papagaios e os burocratas mais acéfalos estes são os "desleais". Talvez por pensarem e serem críticos. Talvez por porem o dedo na ferida, por denunciarem o que está errado e serem leais com a clareza e a verdade.

O argumento da lealdade além de ser um não-argumento, é um autoritário que não promove uma cultura de tendências plurais e organizadas. Um que deve ser afastado de uma esquerda que quer ser grande e realmente transformadora.

Serei sempre leal com a verdade, clareza, e ideais, o que implica uma deslealdade com o partido em determinadas matérias. Não existem estruturas perfeitas, mas para isso temos de trabalhar e não esquecer de ser realmente críticos e não pseudo-revolucionários.

O que para aí há mais é pseudo-revolucionários acríticos nas coisas em que realmente o devem ser. Alguns que por vezes têm reticências em se chamarem revolucionários por vezes têm uma atitude mais revolucionária do que os que usam esse nome vazio.

Qual será o problema da estrutura dos partidos, terem demasiados aspirantes a funcionários?
Talvez seja esse.

Terem estruturas demasiado burocráticas, fechadas, minadas por gente acrítica?
Talvez seja isso.

Terem hierarquias demasiado rígidas, pouco democráticas e participativas?
Talvez seja isso.

Por terem demasiada gente na estrutura leal com o partido mas desleal com a transparência e a verdade?
Certamente.

Por não conseguir ser leal para com todos, escolhi ser leal para alguns princípios e ideais. Não me vou calar, por não ser aspirante a nada, sem ser aspirante a denunciador da hipocrisia e do autoritarismo. Tenho pena das pessoas que se deixam cegar nas estruturas pelos seus fetiches mais íntimos de algum dia ter isto, ou ser isto, no partido, por simplesmente o querer ser e não por trabalho ou reconhecimento democrático.

Tenho pena das pessoas que fora do partido criticam muito as políticas seguidas e os outros partidos, e que dentro do partido são os promotores da não-crítica e da lealdade com a mentira. Tenho pena da crescente burocratização e afastamento dos dirigentes dos "dirigidos". Tenho pena que o sonho de muitos se torne em desilusão, de muitos.

Não há ninguém mais desleal para alguns, que uma mente livre, crítica e independente.
Tenho pena dos papagaios que se emproam por aí repetindo o que agrada aos seus mestres, evitando pensar. E que se esquecem do sonho e esperança que este partido representa para muitos. Não para subir na vida, mas para a mudar.

Para todos aqueles que trocam ideais pela cegueira, não tenham dúvida,
O meu coração bate do lado esquerdo, e não vai parar, é a esse que sou fiel.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Alegre que dizia que Louçã era o "Cavaco às avessas".


Dedico este post que vai no seguimento do anterior, a explorar algumas das incoerências da candidatura de Manuel Alegre que infelizmente vai ter muitas consequências danosas para a esquerda quando as eleições terminarem. A ressaca da esquerda vai ser dura.

Manuel Alegre, esse político camaleoneco, que em 2006 dizia de peito aberto que Louçã era "o Cavaco às avessas", em 2011 é apoiado pelo mesmo. Este senhor que fala com muita retórica sobre o Estado Social sempre tirou dividendos à custa do mesmo. A sua candidatura é apoiada por José Sócrates, um dos homens que mais pôs a saque o mesmo Estado Social que Alegre diz defender.

Além de tudo isto, Manuel Alegre é um homem que confrontado com a pergunta que se lhe põe se é a favor ou contra o OE de Estado, acaba por dizer sempre com muito jogo de cintura que este é inevitável.

É infelizmente um candidato que nasceu para morrer na praia, e que além disso expõe bem o estado acomodado e perdido a que a esquerda portuguesa chegou.

Um partido como o Bloco de Esquerda que sempre lutou contra as inevitabilidades e contra as incoerências, vem agora passo a passo a entrar num jogo político com discurso pouco claro e de perpetuação do mesmo. Alguns sectores da esquerda portuguesa acreditam em Manuel Alegre como a esquerda Norte-Americana acreditava em Obama. Acreditam muito, e tem muita fé, mas carecem de substância que sustente as suas crenças e opiniões. Quando estes acordarem, a ressaca vai pesar nos ombros.

O discurso da Esquerda não pode ser um maneatado, acomudado, e hipócrita. A esquerda não se pode esvaziar em pura retórica e jogos de cintura, ou, estratégias partidárias megalómanas. A esquerda tem de falar verdade pelas pessoas certas, um discurso que seja coerente não só nas ideias como na ligação entre ideias e factos. Alegre não representa isso, mas sim os privilégios de uma certa casta de políticos que sempre falou em nome da Esquerda mas que mal sabe o que é trabalhar.

Alegre é uma ilusão da Esquerda, uma má ilusão.

Este candidato, debate após, debate revela e expõe cada vez mais as suas fragilidades.
Acaba de levar uma tareia no debate com Nobre, que faz envergonhar a esquerda que o apoia.

Manuel Alegre que nas últimas presidenciais dizia que Louçã era o Cavaco às avessas, hoje já diz outra coisa. O que dirá Alegre nas próximas presidenciais? Estou curioso. Esta é para vocês adivinharem.

Experimenta também perguntar a Manuel Alegre o que acha deste Orçamento.
E terás a derradeira resposta vergonhosa do suposto candidato da esquerda.

É no mínimo bizarro ver associações que se dizem revolucionárias e pessoas que se dizem anti-capitalistas empenhadas na campanha com coração e alma. Das duas, uma, ou fingem bem, ou ainda acreditam no pai natal.


A hipocrisia reina.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um Cão como Nós e a Grande Porca da nossa Política.







Todos nós sabemos, e já dizia o Fernando Pessoa, que os poetas são fruto das contradições e das incoerências. De múltiplos sentimentos contrários e de ideias ou ideais que por vezes entram em contradição quando analisada a obra no seu conjunto. Mas é esta dialéctica de emoções e ideias onde nasce o poeta, onde nasce o escritor.

Estas contradições são boas quando se trata de escrita criativa, mas não na política.

Pelo soar das últimas notícias e dos primeiros passos dos debates eleitorais. Enfrentamos candidatos cujas contradições são imensas. Deparamo-nos com um Cavaco que afirma ter sido o padrinho deste Orçamento de Estado, mas no final diz que este é um mau orçamento. Com um Fernando Nobre que é supra tudo, que tanto apoia a causa monárquica, como autarcas do PSD, eurodeputados do B.E, e que faz de tudo para não se clarificar ideologicamente.

De outro lado da barricada temos o suposto maior candidato da Esquerda, que esquizofrénicamente fala em nome do governo e da oposição. Que tanto dá uma no ferro e outra na ferradura. Não obstante disto a lista de comissão de honra do mesmo contem nomes como Francisco Louçã e José Sócrates na mesma. O mais engraçado de tudo é que parece que por parte dos dois partidos que apoiam este candidato, cada um vê nele o que realmente ele não é. Um oportunista que tem um fetiche de ser Presidente de República tal como os outros todos, à custa de tudo e de todos, e até das suas contradições. Além disso a vida de Manuel Alegre não tem sido a mais exemplar, mas sim uma carregada de privilégios dos quais não abdica. Sempre viveu à custa do PS e do Estado português. Não sei como é que mesmo assim alguns da esquerda socialista ainda conseguem fingir tão bem, ou, até mesmo acreditar piamente que este é o candidato ideal. Recordo alguns que no passado recente diziam que não o apoiariam e hoje aparecem empenhados na sua campanha de cara lavada, tristemente alegre.

O PS tenta a todo o custo dizer que Alegre é o seu candidato, timidamente tenta ocultar aqui e ali o apoio do BE.
Por sua vez o BE, no seu portal, esquerda.net, censura aqui e ali os apoios de José Sócrates e os seus amigos. Como podemos notar numa última noticia deste portal que ao divulgar nomes de pessoas relevantes da cultura e política portuguesa que apoiam a candidatura de Manuel Alegre, excluem desses nomes aqueles que mais incomodam aos seus militantes, como o de José Sócrates entre outros.

Era bom que o BE deixasse de maquilhagens no que toca à candidatura de Manuel Alegre e que assuma transparentemente e sem tabús que está a apoiar a mesma candidatura de José Sócrates e do Governo. E além disso uma candidatura que subtilmente diz que este OE é inevitável.

Estas eleições presidenciais são marcadas por uma incoerência e de um enorme desprezo do povo português face à política. Os cidadãos não percebem este jogo de contradições e estão fartos deste jugo que só serve interesses que não os seus.

Se se apoia um candidato incoerente e contraditório não podemos querer afastar todos os males que este possa acarretar. Mas se realmente nos comprometemos e acreditamos numa candidatura esta tem de ser levada sem tabús e censuras.

Os cidadãos não podem perceber como um partido que faz a oposição mais cerrada ao governo poderá apoiar o candidato deste. Não percebem como um P.R que se diz padrinho da criança orgulhosamente, no outro dia diz não gostar dela. Não percebem um Nobre que é tudo e não é nada, que é monárquico mas candidata-se à presidência. Muito menos ouvem Defensor Moura e aquela patetada.

Cavaco esse político que mais anos teve no poder, continua a pairar na política como nada tivesse haver com ela. Se há alguém responsável pelo estado do país e da política, é Cavaco, que depois do escândalo do BPN continua aparecer como pessoa idónea e com aquele ar sacramental que já nos tem habituado de anjo retardado, assexuado e moralista.

Nos rostos, nas palavras, nos gestos, que se iluminam sobre as luzes das câmaras e dos estúdios, tudo aquilo soa a plástico. Soa a falso. Soa a espectáculo. Soa a mentira. Soa a retórica. Soa a uma política que foi descaracterizada, e vendida ao marketing e a falsos moralistas.

No final de tudo, todos parecem defender o mesmo tentando demonstrar o contrário. Todos parecem poetas, cheios de contradições. Mas isto infelizmente não é poesia, não é "Um cão como nós", mas sim "A grande porca da nossa política".


A verdade é sempre revolucionária

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

"Há um povo que insiste em resistir, que não desiste de lutar pela sua liberdade, e que clama por justiça."

Discurso de Carlos Almeida, membro da direcção do MPPM, na sessão evocativa do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo da Palestina, a 29 de Novembro, na Casa do Alentejo, Lisboa
"
Caros amigos,

No dia 2 de Dezembro de 1977, a Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida na sua trigésima segunda sessão, aprovava a resolução nº 32/40. Uma mais entre as centenas que antes e depois desse momento a ONU haveria de aprovar a propósito da questão palestina. Vinte e nove países votaram na ocasião contra esta resolução, entre eles, claro, Israel e os EUA, as ditaduras da Nicarágua, das Honduras, da Guatemala e da República Dominicana, mas também a Grã Bretanha, a Austrália, o Canadá, a Bélgica, a Itália e a Noruega. Na segunda parte dessa resolução, reconhecendo-se a grande necessidade de divulgar a causa nacional palestina e os direitos inalienáveis do seu povo, assim como os esforços levados a cabo pelas Nações Unidas com vista à sua realização, estabelecia-se a observância anual, no dia 29 de Novembro, do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. O dia em que aquela mesma Assembleia Geral, trinta anos antes, aprovara a resolução nº 181, estabelecendo a partilha da Palestina em dois estados, passaria, de ora em diante, a marcar a agenda internacional como uma interpelação à consciência mundial sobre o drama histórico do povo palestino e as responsabilidades que acerca dele pesam sobre os governos e povos do mundo.

Na primeira parte daquela resolução afirmava-se, sem ambiguidades, que uma paz duradoura no Médio Oriente era indissociável do estabelecimento de uma solução justa para a questão palestina, e que esta só podia alcançar-se na base da realização dos direitos inalienáveis do povo palestino, desde logo o direito à independência e à soberania nacional, assim como o direito ao regresso dos refugiados. Reconhecia-se, assim, que neste conflito havia um agressor e uma vítima, um ocupante e um ocupado, um opressor e um oprimido, e que nestas circunstâncias, não podia haver espaço para a neutralidade ou a indiferença. A solidariedade era um dever ético e político que exigia de todos um compromisso firme.

No dia 2 de Dezembro de 1977, era primeiro-ministro em Israel Menahem Begin, outrora chefe da milícia Irgun, responsável pelo massacre de Deir Yassin, e que o próprio Ben Gourion comparava a Hitler. O seu partido, o Herut, ostentava como hino um poema de Jabotinsky, o pai da direita mais racista e xenófoba de Israel, em que se cantava, “Duas margens tem o rio Jordão, uma é nossa, e a outra também”. Em 1977, dez anos após a guerra que ditou a ocupação da margem ocidental, de Jerusalém Oriental, da faixa de Gaza, e dos montes Golã, a colonização destes territórios ensaiava os primeiros passos. Só na Cisjordânia, excluindo Jerusalém, existiam então 31 colonatos, onde viviam cerca de 4 400 pessoas. Três anos antes, em Outubro de 1974, a Assembleia Geral da ONU reconhecera a OLP como um movimento de libertação nacional, representante única do povo palestino. Yasser Arafat apresentara-se perante essa Assembleia, com um ramo de oliveira numa mão e um revólver na outra, e apelara à comunidade internacional para que actuasse de modo a que o ramo de oliveira pudesse manter-se erguido. Em 1977, as ondas de choque do discurso de Anwar Sadat no Knesset abalavam o mundo árabe e fragilizavam a causa palestina. Dois anos após, no Portugal que Abril libertara, realizava-se em Lisboa a Conferência Mundial de Solidariedade com a Nação Árabe e a sua causa central, a questão palestina. Era a primeira grande reunião de solidariedade com o povo da Palestina num país da Europa Ocidental. Nessa Lisboa onde era forte, ainda, o perfume dos cravos, Arafat falou de um povo desapossado da sua terra, que não tinha lugar nem para enterrar os seus mortos, mas que com uma incomparável dignidade, resistia à ocupação e teimava na esperança de uma vitória que tinha que chegar um dia. Na despedida, em nome desse povo, Arafat agradeceu aos homens e mulheres, aos montes, às colinas e às árvores deste país, a solidariedade que aquela importante conferência testemunhara, pois ela era, nas suas próprias palavras, “o instrumento para a vitória de todos os povos amantes da liberdade, da justiça e da paz”.

Passaram trinta e três anos depois da aprovação daquela resolução que instituiu o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Em Telavive mora, hoje, o governo da mais reaccionária e racista direita israelita. Nos territórios ocupados, Jerusalém Oriental incluído, segundo os próprios dados de Isarel, existem perto de duas centenas de colonatos onde vivem cerca de meio milhão de pessoas. Aqui não se incluem nem as chamadas colónias ilegais, nem os assentamentos de colonos no quarteirão árabe da cidade velha de Jerusalém, nem nos seus bairros de Silwan, Sheik Jarrah, ou Abu Dis. Mais de uma trintena de anos volvidos, o rasto de morte e destruição atingiu o paroxismo. Para só falar dos últimos dez anos, foram mortos 7 395 palestinos, dos quais 1296 crianças e 582 mulheres, e feridas 50 896. 3 634 pessoas sofreram ferimentos que os incapacitam para toda a vida. 838 pessoas foram executadas em assassinatos selectivos. Foram destruídas 10 414 casas. Foram arrancadas 1 191 787 árvores. Um muro segregacionista que o Tribunal Internacional de Justiça condenou, e que na sua extensão máxima terá mais de 700 km, dilacera agora a paisagem da Margem Ocidental, destruindo tudo à passagem, separando os pais dos seus filhos, os camponeses das suas terras, as crianças das suas escolas. Para cima de seiscentos postos de controle do exército israelita infernizam, diariamente, a vida do povo palestino. Na faixa de Gaza, cerca de um milhão e meio de pessoas vive submetido ao mais infame e criminoso bloqueio perante a quase generalizada indiferença da comunidade internacional, e dependente da ajuda humanitária das Nações Unidas e da coragem dos movimentos de solidariedade que insistem em desafiar essa muralha de silêncios e cumplicidades. Trinta anos volvidos, mais de quatro milhões de pessoas espalhadas um pouco por todo o mundo continuam a embalar o sonho de um dia verem reconhecida, de facto e não só de direito, a sua condição de refugiados, expulsos das suas casas, desapossados das suas terras. Sessenta e dois anos volvidos depois da Nakba, trinta e três anos depois da declaração do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino, há um povo que insiste em resistir, que não desiste de lutar pela sua liberdade, e que clama por justiça.

Além de um imperativo ético, e de uma necessidade política, a solidariedade com o povo palestino é, nos dias que correm, uma urgência inadiável. Porque, a cada hora que passa, por cada dia que se cumpre, a solução política consagrada na resolução nº 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas, com a criação de um Estado da Palestina, livre, viável e soberano, fica mais comprometida e ameaçada. Os sucessivos governos de Israel sabem-no, sempre o souberam, e com o apoio activo, material e político, dos EUA, das grandes potências ocidentais e de poderosos interesses económicos, fizeram da política de colonatos uma verdadeira corrida contra o tempo. Recorde-se, a este propósito, o compromisso assumido por George Bush junto de Ariel Sharon, segundo o qual o governo dos EUA reconhecia as alterações de facto ocorridas no terreno e que tal devia reflectir-se no processo de negociação de uma solução final para o conflito. Ora, nos dias de hoje, mais de metade da margem ocidental do rio Jordão, ocupada desde 1967, e parte do futuro Estado da Palestina, é controlada por Israel tanto por via da área dos colonatos, como pelas implicações da construção do muro do apartheid, a que haverá que acrescentar a rede viária e demais infra-estruturas, organizadas de forma a garantir a ocupação do território.

Em Jerusalém Oriental, em particular, este processo reveste-se, nesta altura, de particular importância e violência. Desde logo, estão em curso vários processos tendentes a desalojar a população árabe dos bairros árabes de Jerusalém Oriental, como Silwan e Sheik Jarrah. As mesmo tempo, prossegue em ritmo acelerado o processo de alargamento dos colonatos em redor de Jerusalém – Ma'ale Adumim conta já hoje mais de 35 mil pessoas – com um duplo objectivo: alterar o equilíbrio demográfico na região, favorecendo os planos de anexação de Jerusalém Oriental, mas, ao mesmo tempo, cortar a margem ocidental em duas metades, procurando, na prática, tornar irreversível a descontinuidade geográfica do território palestino. A este propósito, convém recordar, aliás, que a construção de colonatos em Jerusalém Oriental nunca esteve incluída no tão falado congelamento da colonização que expirou em Setembro ultimo.

Em boa verdade, o que está em curso, o que este governo de Israel, acelerando-o, se limita a prosseguir, é uma política meticulosamente planeada, e persistentemente concretizada de ocupação, anexação e exploração do território palestino, e de aniquilação das condições materiais de existência nacional do povo palestino. Além de iníquo e criminosa, essa política é, à luz do direito internacional, ilegal, e quem a apoia, financia e concretiza é, por isso, cúmplice de uma ilegalidade, cúmplice de um crime. Cabe aqui dizer, a este propósito, que uma empresa portuguesa, de capitais públicos, a EPAL, tem hoje graves responsabilidades que importa denunciar por via do acordo de cooperação que mantém com a MEKOROT, a empresa de águas de Israel, que desempenha uma função estratégica na exploração dos recursos hídricos, em Israel e nos territórios ocupados.

Tal política é acompanhada pela segregação e repressão da população árabe, tanto nos territórios ocupados, como dentro do próprio estado de Israel. Aquele regime que tanto se gaba de ser a “única democracia do Médio Oriente” é, bem ao contrário, um regime de apartheid, com cidadãos de primeira e de segunda. A lei de cidadania recentemente aprovada no Knesset, impondo à população árabe um juramento de fidelidade a um estado judaico, as perseguições contra os deputados árabes do Parlamento de Israel que denunciam os crimes da ocupação, assim como as condicionantes à actividade das organizações não governamentais e de direitos humanos que, em Israel, desenvolvem uma importante e valiosa acção de informação, esclarecimento e solidariedade com a causa nacional palestina, são bem exemplo da natureza segregacionista e anti-democrática da política do estado de Israel.

E, mesmo assim, o governo xenófobo de extrema-direita logrou alcançar a adesão do estado de Israel à OCDE. Tal só é possível, em boa verdade, porque Israel goza, no plano internacional, de um estatuto de total impunidade, protegida que está pelos EUA e pelas grandes potências ocidentais. Teria bastado que apenas um dos estados dessa organização tivesse, justamente, chamado a atenção para a violação grosseira e sistemática, por parte de Israel, dos valores da paz, da democracia, da liberdade, dos direitos humanos mais elementares para que tal se não concretizasse. E, no entanto, nem um único o fez. O governo português não só aceitou sem pestanejar, sem conflitos de consciência, a adesão de Israel à OCDE como, mais recentemente, aceitou participar numa reunião desse organismo dedicada ao turismo e promovida por Israel em Jerusalém, quando outros países, como a Grã-Bretanha, boicotaram esse evento.

Ao assinalar a passagem do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino temos presente que esta limite atravessa hoje um momento limite, crítico e decisivo, quanto às condições para a concretização da resolução nº 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas e a concretização, por essa via, dos direitos inalienáveis do povo palestino. Não esquecemos, ademais, que uma divisão grave e penosa continuar a marcar o movimento de resistência nacional palestina, expondo a sua luta a todo o tipo de ingerências e pressões externas.

Nestas condições a solidariedade é, mais do que nunca, necessária, Uma solidariedade que congregue e aglutine esforços e vontades e que dinamize iniciativas. Uma solidariedade internacional que reafirme o primado do direito e da legalidade internacional. Uma solidariedade comprometida, sem preconceitos, sem falsas neutralidades. Uma solidariedade que, respeitando a independência do processo político palestino, apele sem cessar à unidade das forças da resistência nacional palestina em torno das suas reivindicações centrais: o fim da ocupação, a retirada de Israel dos territórios ocupados, a constituição de um Estado Palestino livre, soberano viável, com Jerusalém Leste como capital, e uma solução justa para a situação dos refugiados palestinos, que observe as resoluções pertinentes da ONU.

Senhor Embaixador, na sua qualidade de representante do povo palestino, em Portugal, aceite esta nossa expressão da solidariedade do povo português que um dia recebeu, de braços abertos, o Presidente Arafat. Aqui lhe asseguramos o compromisso do MPPM com a luta do seu povo e o nosso empenho em contribuir, em Portugal, para o alargamento da solidariedade com a luta do povo palestino.

Lisboa, 29 de Novembro de 2010

Por Carlos Almeida é investigador cientifico e membro da Direcção do MPPM.
"

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Os Ultra-liberais, a nova religião exótica do ocidente.



Por termos tido ao longo do ano alguns comentários derivados de certas correntes radicais de direita, mais propriamente de pendor liberal. Temos assistido a uma ascenção de um determinado discurso anti-estado, pro-capitalismo, anti-políticos, anti-democracia, pro-mercados. Que nos tem chamado à atenção. A todos eles dedicamos este texto.

Nas últimas décadas temos assistido à formação de uma religião que com os seus largos adepto tem dominado o mundo de maneira irresponsável e por vezes criminosa. Tal religião acredita nos Mercados como seres perfeitos e omnipotentes, omnipresentes e omniscientes que guiarão a humanidade ao Mercado Perfeito quanto mais libertos eles estiverem. Liberalizado tudo e mais alguma coisa estes senhores da liberdade têm como objectivo atingir o Olímpo dos Liberais, onde aí lhes esperam as 42 virgens num harém da McDonalds com uma bandeira hasteada no meio, a dizer: Free Market.

Os mais radicais, fazem um discurso violento contra o Estado e o sector público. Contra a democracia, os políticos e os impostos. Estes fundamentalistas de direita advogam uma sociedade com um Estado mínimo ou a abolição do mesmo, complementado por um capitalismo selvagem. São contra o subsidio de desemprego, salário mínimo, sistema nacional de saúde, segurança social, e direitos laborais. Para estes tudo é mercado. Tudo tem um preço. Infelizmente este discurso tem crescido em alguns sectores mais alienados da realidade portuguesa, alimentados por um discurso anti-política que paira por aí. Como alternativa aos políticos estes querem substitui-los por empresários num mercado totalmente livre em que o patrão negoceia o salário com o trabalhador. Ignorando o facto dos patrões terem uma posição de mercado mais poderosa em relação ao trabalhador, estes alienados acreditam realmente nisto.

Estes seres alheados do conceito "realidade" palram por aí à deriva em território luso. Não são mais do que uns tecnocratas extravagantes com largos traços sociopatas. Falam de que os impostos são uma agressão contra o individuo e que isso é coerção, mas já não admitem que as hierarquias também o são, coercivas. Dizem que capitalismo não é o que existe, mas depois não sabem dizer onde e quando é que esse "verdadeiro capitalismo" existiu. Talvez a feira da ladra seja um modelo a seguir para este ultra-liberais. Dizem que a democracia é uma subjugação do individuo ao colectivo, mas esquecem-se que é exactamente isso que fazem os mercados e a sua concorrência. É a maioria dos agentes de mercado que dita as regras de mercado, num mercado perfeito, isto é dizer que existirão sempre uns no mercado que se vão sobrepor ou à vontade da maioria,ou seja, ao poder de mercado da maioria, ou à vontade de uns olígopolistas que detêm o poder de mercado.

O mercado é um instrumento colectivista que suprime a liberdade de existência de alguns indivíduos através da concorrência e da imposição de um poder de mercado que poderá estar nas mãos da maioria no caso de um mercado perfeito ou nas mãos de uma casta no caso real, "De facto".

Os religiosos ultra-liberais, ditam améns ao mercado e vêem nele uma mão invisível que mais ninguém vê a não ser alguns esquizofrénicos das faculdades de economia.

Que capitalismo será o bom capitalismo para estes senhores? Qual será o bom mercado e completamente livre para estes? A feira da ladra? O mercado do bolhão?

O mais interessante, é que estes Ultra-liberais lusitanos esquecem-se do país em que vivem.
Não vejo algum português com bom senso a ir atrás deste discurso radical quando o salário médio é de 800 euros, e sabendo que a classe empresarial portuguesa precisa do Estado como pão para a boca. Estes senhores não conhecem o Portugal em que vivem.

Lanço o desafio a todos os lusitanos ultra-liberias, minarquistas, anarco-capitalistas e ect, a formarem um Partido ou um movimento para ver o apoio popular que estes terão.

Acordem para a realidade.

domingo, 5 de dezembro de 2010

11 minutos de invasão

Este é um documentário realizado por Joris Ivens, Jean-Luc Godard, William Klein, Chris Marker, Agnès Varda, Claude Lelouch e Alain Resnais. Todos estes realizadores colaboraram para este filme no sentido de criarem um documentário propagandístico contra a guerra do Vietnam( guerra que só viria a terminar quase 10 anos mais tarde de o realizarem).

Cada uma das contribuições acrescentou algo único ao conjunto e isso fez com que se completassem de uma forma excepcional. Desde os realizadores que conseguiram filmar o cenário de guerra, aos que em França ou na América, filmavam o cenário de apoio ou protesto à guerra; cada um deles acabou quase sempre por abordar os dois lados da guerra, nenhum deles prescindível. Por um lado uma América imperialista onde tanto se observam protestos pela paz como marchas de apoio aos soldados, por outro um Vietname a defender-se com os meios que tinha (meios esses muito inferiores tecnologicamente aos dos Estados Unidos).

Godard fez uma abordagem através desta curta-metragem, que podem ver integralmente em cima, de uma forma memorável. Este realizador (ao contrário de outros) não obteve autorização (por motivos políticos) para se deslocar ao Vietname com o fim de recolher filmagens. Assim sendo, realizou todo o segmento em Paris. Esta barreira de falar do Vietname “sem ter lá estado” ou “sem nunca o ter visto” fez desta curta metragem única. Godard enquanto fala, creio eu que resume o seu filme quando diz que “Na impossibilidade de invadir o Vietname, temos que dar oportunidade ao Vietname de ser ele a invadirmo-nos”. E é disso mesmo que se trata este filme, trata-se de pensar no Vietname muito mais além do que ele sozinho representa. Trata-se de pensar sobre afinal o que é este fenómeno, o que é uma nação dominada, o que é uma pessoa “ocupada”, o que é uma sociedade invadida.

Nesta intervenção, a dificuldade de se ser um olhar de fora eleva a critica anti-guerra a um patamar onde poucos realizadores a elevaram.

Numa conversa, Godard em voz off, fala-nos das formas que encontrou de “em vez” de filmar a guerra, a ilustrar. Por exemplo, a imagem da reacção do corpo de uma mulher ao ataque de uma bomba. Este seu estudo e reflexão sobre as várias formas de retratar a guerra através do cinema, de retratar uma guerra à distância, levantou uma questão, a meu ver, extremamente importante que é até que ponto o Vietname é o único invadido. Isto é, até que ponto é que pode existir apenas uma nação invadida. O realizador fala-nos da impossibilidade de não sermos nós também o Vietname, dando como exemplo a sua luta contra a estética imperialista do cinema americano. Este extenso pensamento de que tudo é o Vietname e dos tantos Vietnames que continuam a sua luta tão silenciosa, faz-nos ver esta e outra qualquer guerra não só pelo lado do invadido e invasor mas pelo lado de todos os que assistem e se tornam assim também invadidos.

Um documentário que continua contemporâneo quer na questão do imperialismo americano tanto a nível económico como cultural, quer nos povos que continuamos a ver invadidos e que assim nos invadem também.