Escritório Poético

"Não quero recordar nem conhecer-me
Somos demais se olhamos em quem somos.
Ignorar que vivemos 
Cumpre bastante a vida

Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa connosco,
Que passamos com ela

Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se"  

Ricardo Reis






Poeta Castrado, Não!





    Serei tudo o que disserem
    por inveja ou negação:
    cabeçudo   dromedário
    fogueira de exibição
    teorema   corolário
    poema de mão em mão
    lãzudo   publicitário
    malabarista   cabrão.
    Serei tudo o que disserem:
    Poeta castrado   não!

    Os que entendem como eu
    as linhas com que me escrevo
    reconhecem o que é meu
    em tudo quanto lhes devo:
    ternura  como já disse
    sempre que faço um poema;
    saudade que   se partisse
    me alagaria de pena;
    e também uma alegria
    uma coragem serena
    em renegar a poesia
    quando ela nos envenena.

    Os que entendem como eu
    a força que tem um verso
    reconhecem o que é seu
    quando lhes mostro o reverso:

    Da fome já não se fala
 é tão vulgar que nos cansa 
    mas que dizer de uma bala
    num esqueleto de criança?

    Do frio não reza a história
a morte é branda e letal 
    mas que dizer da memória
    de uma bomba de napalm?

    E o resto que pode ser
    o poema dia a dia?
 Um bisturi a crescer
    nas coxas de uma judia;
    um filho que vai nascer
    parido por asfixia?!
 Ah não me venham dizer
    que é fonética a poesia!

    Serei tudo o que disserem
    por temor ou negação:
    Demagogo   mau profeta
    falso médico   ladrão
    prostituta   proxeneta
    espoleta   televisão.
    Serei tudo o que disserem:
    Poeta castrado   não!

               José Carlos Ary dos Santos