quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O futuro incerto da Revolução tunisina

[Manifestantes tunisinos]

A Revolução de Jasmim foi um movimento verdadeiramente popular, de aspiração à liberdade, manifesta por fim no derrube da cleptocracia totalitária tunisina. O governo-fantoche instalado (dominado pelo partido de Ben Ali e apenas a semana passada expulso, com um timing notável, da Internacional Socialista), poderá cair em breve, e mesmo que o não faça o distanciamento das políticas despóticas é inevitável, pela rejeição popular do regime monárquico e medievalesco que era, na Tunísia, a ditadura da família de Ben Ali.

É de notar o papel que a internet teve neste movimento: como o único meio verdadeiramente capaz de abolir fronteiras e unir os insurrectos, como expressão suprema da ausência de coerção e da construção comunitária. É tempo de abraçar a internet como instrumento revolucionário e de intensificar a defesa dos seus conteúdos, sublinhando que a proibição do acesso à internet é a forma mais inaceitável de censura, como outros eventos este ano — o caso WikiLeaks sendo o principal exemplo —, vieram demonstrar. A internet teve na Tunísia o papel de conectar e organizar o movimento revolucionário; a tirania egípcia, compreendendo isto, proibiu não apenas as manifestações mas também os blogues e redes sociais.

A Revolução de Jasmim foi já uma vitória, pelo que alcançou. Mas lançou no Magrebe um abalo cujo desfecho é incerto e imprevisível. No Egipto, na Argélia, em Marrocos, na Mauritânia e na Líbia, os cidadãos olham para a Tunísia com esperança e solidariedade, mas os déspotas estão também atentos. Se as ondas de choque da Revolução se espalharão, é impossível dizer, mas o Egipto e o Líbano começam já a experimentar uma revolta popular em estado embrionário. No Cairo, a polícia dispersou uma manifestação contra o regime de Hosni Mubarak, usando gases lacrimogéneos e jactos de água; a proibição das manifestações é um sinal claro do medo da classe dominante.


[Conflito entre a população egípcia e a política de choque]

No meio das vitórias populares, contudo, a imprevisibilidade caótica do curso da Revolução cria a incerteza: a esperança de uma democracia, ou o medo de uma teocracia. A influência islâmica torna difícil o percurso para a democracia. Os partidos islâmicos, há muito banidos na Tunísia, anunciam-se reconstituídos. No Líbano, a tensão manifestou-se com a designação do primeiro-ministro apoiado pelo Hezbollah, Nagib Mikati. E a Arábia Saudita está pronta para espezinhar o jasmim onde quer que este comece a florescer, apoiando monetariamente os extremistas islâmicos no Iémen, na Jordânia, onde quer que se encontrem.

A vitória popular tunisina foi conduzida por jovens universitários laicos, cujas preocupações eram o futuro, a fome e o emprego, não as madraças e as mesquitas. A Revolução de Jasmim foi produto de necessidades seculares, não do ódio aos infiéis. Mas as forças teocráticas poderão estar prontas para reclamar outros fins em nome da população que não representam.

Há que ter atenção ao caso tunisino e ao seu desenlace ainda imprevisível. Aqui temos um microcosmo do zeitgeist da nossa época: uma época em que os valores da democracia e do iluminismo competem contra o fundamentalismo, a intolerância e a resposta prosélita à globalização. Neste microcosmo, as forças antagónicas e as tensões que marcam o presente do Magrebe e do Mundo estão a protagonizar uma experiência política e social cuja importância não convém menosprezar.

2 comentários:

  1. "uma época em que os valores da democracia e do iluminismo competem contra o fundamentalismo, a intolerância"

    Nem mais, grande texto, muito boa análise.

    Tocaste num ponto bastante interessante.

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