Morreu, no passado dia 17 de Novembro de 2010, a modelo e actriz francesa anoréctica Isabelle Caro. A notícia foi apenas divulgada dia 29 de Dezembro, pelos média. Recordemos que esta modelo aceitou ser fotografada nua para o polémico fotógrafo Oliviero Toscani na Campanha "No Anorexia" pela Benetton. A Campanha tinha como objectivo alertar @s jovens adolescentes e a Indústria da Moda para os efeitos negativos deste distúrbio alimentar (as fotografias da campanha estão à esquerda do texto). Segundo consta, a modelo morreu de complicações associadas a pneumonia.
( http://www.euronews.net/newswires/664045-french-no-anorexia-model-dies-at-age-of-28/ , http://www.youtube.com/watch?v=D9jHlBoAMyU&feature=channel )
Após a publicação destas fotografias, muitas acções se multiplicaram, aqui e ali. Algumas vozes fingiram gritos de preocupação. Gritos associados a uma súbita "descoberta" do número de pessoas com estes distúrbios alimentares (de entre os quais se inclui a bulimia). "Descoberta" esta há muito feita por psicólogos e cientistas. Na verdade, não era preciso uma grande inteligência ou perspicácia para o perceber. Também por volta desta altura, houve a divulgação e exploração mediática de casos de mortes causadas por complicações graves de sintomas do distúrbio alimentar, nomeadamente a da modelo brasileira Ana Carolina Reston que morreu, em 2006, de complicações associadas à anorexia, pesava 40 quilos e media 1.74 metros.
Enquanto tudo isso se passava, cresciam várias comunidades online, ligados ao “grupo” ANA. Este "grupo" vê a anorexia como mais um estilo de vida e personifica a anorexia como uma amiga: a ANA. Essas comunidades dão, na sua generalidade, diversos conselhos sobre como perder peso e atingir o objectivo de magreza mais rapidamente. ( http://www.youtube.com/watch?v=uB1dsmTGFbI )
Evidenciou-se toda a preocupação por parte dos média internacionais sobre o assunto, recorreu-se a entrevistas, reportagens, peritos. Perante esta novidade, o Governo Francês e o Brasileiro (segundo pesquisei, os únicos) decidem tomar uma posição e acção política. Foi então instaurada a lei do punimento de comportamentos que incitem à anorexia ou bulimia, que poderia ir desde uma multa de 30.000 euros a 2 anos de prisão.( http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2008/04/15/bons-exemplos-franca-vota-lei-para-punir-incitacao-a-anorexia/ ) Por outro lado, estipulou-se que as modelos exageradamente magras seriam excluídas das passerelles (ninguém se preocupou em fornecer ajuda psicológica a todas, caso fosse necessário). Duas leis que nem feriram de raspão o problema. Coincidência?
De qualquer forma, ambas as leis foram muito aclamadas e aplaudidas "afinal eles até se preocupam com os nossos assuntos", pensou o sempre naîve Zé Povinho.
Em Portugal realizaram-se tímidas medidas de combate ao conceito de "magreza como forma única de beleza", por parte de independentes da Indústria.
O Governo demonstrou interesse, o Povo escutou e aplaudiu. Tudo feliz e contente, parecia que finalmente este assunto tinha sido resolvido de vez e as mortes das jovens tinham sido "vingadas". Muito bem. Os média pararam de incidir e explorar freneticamente o assunto, estava tudo resolvido. Foram brincar com outro brinquedo como seria de esperar de uma criança a quem lhe vão tirando brinquedos sucessivos por ser proibida a sua descoberta. Afinal, argumento que foi aplaudido por muitos, tanta informação só faria com que as jovens desejassem com maior fervor atingir o extremo de magreza.
Por fim, o brinquedo foi deitado para o lixo, ou melhor dizendo, foi guardado na prateleira dos adultos. Depressa entendi que o drama não tinha parado, mas tinha sido antes convenientemente abafado para bem da imagem Governamental e da Indústria da Moda. Coitados que nada poderiam fazer, pois o mal estaria sempre nas adolescentes confusas e perturbadas. "Só necessitam de ajuda psicológica, pois já cortámos com as causas associadas à pressão social."
Mais um passo generoso por parte desta Indústria devoradora de saúde, tal como é a Indústria da Dança e todas as que se preocupem com um conceito fabricado de beleza física-magreza. Muito aplaudido e até com direito a presença no programa "Oprah", gurus que sempre se preocuparam com a imagem "bonita" do magro, assim como em incentivar a anorexia, ousaram organizar desfiles para mulheres "gordas" [com números correspondentes ao 38]. Um dos casos mais marcantes é o facto da actual "Fashion Week", em Paris, incluir números "grandes". Que boa esta caridadezinha por parte dos sistemas Capitalistas! Pelos vistos, estas Multinacionais não magoam ninguém e fazem tudo ao seu alcance pelas pessoas.
Maus maus, piores que os gurus, são os que ainda criticam. Deitam abaixo uma criança que está a aprender erradamente os primeiros passos. Não sejamos tão hipócritas, naîves e esquecidos quanto estes todos. Desde então, fizeram-se críticas satisfatoriamente claras a este sistema pré-fabricado. ( http://www.movimentorevolucionario.org/artigos/anorexia.html ). Estava encontrada a raíz principal e a sua relação com as falhas de um sistema arruinado.
Antes de mais, explicitaremos o peso da intervenção da pressão social na raiz dos distúrbios alimentares:
Para os que não são entendidos na matéria, a anorexia é “uma disfunção alimentar, caracterizada por uma rígida e insuficiente dieta alimentar (caracterizando em baixo peso corporal) e stress físico. (…) A anorexia nervosa é uma doença complexa, envolvendo componentes psicológicos, fisiológicos e sociais.” e a bulimia é “ uma disfunção alimentar. Cerca de 90% dos casos ocorre em mulheres. A pessoa bulímica, de acordo com os critérios diagnósticos do CID 10, tende a apresentar períodos em que se alimenta em excesso, muito mais do que a maioria das pessoas se conseguiriam alimentar num determinado espaço de tempo, seguidos pelo sentimento de culpa e tentativas para evitar o ganho de peso com jejuns, exercícios, vómitos auto-induzidos, laxantes, diuréticos e/ou enemas.”
Definições à parte, não erremos ao julgar que as causas destes distúrbios são somente devidas à pressão social do conceito de beleza, à criação de modelos errados para jovens adolescentes, à discriminação e à constante exclusão de pessoas com formas corporais diferentes das estipuladas pela sociedade. Existem variados motivos, os quais não enunciarei aqui, mas deixarei dois sites com um resumo de alguns (http://en.wikipedia.org/wiki/Anorexia_nervosa , http://en.wikipedia.org/wiki/Bulimia_nervosa ). Não obstante, não podemos ignorar o elevado peso, especialmente num(a) jovem que ainda está a responder à pergunta "Quem sou eu?", da imposição de modelos de beleza (que em certos pontos até contradizem os conceitos biológicos e adaptativos da mesma) e do sentimento de impotência, frustração, exclusão e aumento da falta de auto-estima. Tudo isto pode levar ao trauma de um indivíduo em crescimento.
Deste modo, não seria de esperar que a anorexia de Isabelle Caro fosse fruto de apenas uma causa. Segundo relatou, duas são claras: a pressão e ansiedade criadas pela mãe e a imposição do modelo de beleza feminino fomentado pela Indústria da Moda. Ao longo do tempo, os motivos continuaram a ser os mesmos, mas o valor das implicações foram alteradas ao longo das entrevistas e do crescimento da mediatização sobre o assunto. Misteriosamente, o argumento inicial com maior influência para o desenvolvimento da doença (o modelo de beleza) foi diminuindo de importância e o problema familiar tornou-se mais popular. Curiosa conveniência? Pois bem. (http://www.youtube.com/watch?v=D9jHlBoAMyU&feature=channel - CBS: entrevista em que a modelo fala sobre as causas da sua doença)
Este problema não é exclusivo do mundo feminino. Embora com menor incidência, a Indústria da Moda também estabelece pressão sobre a beleza masculina, estando a aumentar o número de casos observados em homens e fomentando a obsessão pela imagem, tendo por base o mesmo motivo.
Acalmemos as massas. Não é caso único. Outra Indústria do Esqueleto é a da Dança, que sempre exigiu um modelo do esbelto e magro como modelo ideal. Levando à magreza extrema como é o caso de Ana Lacerda (fotografada à esquerda) que, mesmo assim, continua a ter uma posição chave na Companhia Nacional de Bailado. Contraditoriamente, a pressão realizada em bailarinos/dançarinos masculinos é muito menor. A procura de uma mesma profissão para tão pouco investimento dá no que dá.
A notícia passou de boca em boca: desde séries a novelas, programas a anúncios, tudo bate no mesmo. The Biggest Loser, Family Fat Surgeon, Morangos com Açúcar são exemplos. Hoje em dia, quem não incita a este modelo de beleza tem um negócio praticamente arruinado. Parece ser tudo o que o cidadão comum deseja.
Actualmente, duvido que alguém se sinta isento da pressão criada para preencher esta caixinha que não nos cabe.
Essa pressão não está em passerelles, palcos, mas no nosso dia-a-dia, afectando as nossas relações e auto-estima. Quantos de nós não olharam para uma gordurinha como algo negativo? Quantos de nós se sente realmente bem com a sua imagem?
Mas quem nos traz essa visão e qual o interesse nisso?
Ao reduzir os números produzidos, quanto menos tecido for utilizado (menos recursos), e ao criar este desejo louco por um número/figura/ideia, maior compra desses produtos haverá, maior lucro. O desejo tornou-se parte de nós que, levando “pancada” diária e constantes lavagens cerebrais com anúncios, o desejamos mais do que o próprio desejo que realmente sentimos. Tudo por imposição social. Uma evidente técnica capitalista com consequências gravosas.
Após este breve achego à situação actual, inicio a minha crítica política, social e activista. Não estou aqui para fazer mais textos reflexivos, já muito se falou e pouco se fez.
A alternativa será a criação de todo o tipo de tamanhos, sem imposição, mas aceitação da realidade como ela é: variada. Demonstrar um "leque de opções", sem os objectificar nem massificar, mas personalizar. Não se exclui as pessoas naturalmente magras, mas incluem-se as mesmas num leque maior. A criação de pequenas indústrias mas com sucesso, que se importam com o bem-estar e não só com o lucro. A incentivação da personalidade e beleza de cada um. A destruição do modelo único de manequim, que em nada corresponde à realidade. Diminuição da pressão social nos média. Penalização das empresas capitalistas que fomentam esta repressão. Disto todos sabem e falam, mas ataques certeiros e activistas ninguém os faz.
A Associação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos (AFAAB) ( http://afaab.org/index.php?secid=5 ) tem feito muito trabalho, mas não consegue ter uma acção activista e política forte e clara o suficiente para enfrentar "os grandes", até porque não é este o seu objectivo principal.
Por outro lado, não têm existido movimentos, medidas ou decisões políticas concretas, arrebatadoras e capazes de enfrentar quem quer que seja sobre o assunto. Muito se faz sobre Multinacionais, mas não neste tópico. Nem da esquerda.
Rejeito medidas ineficazes como as tomadas pelo Governo Francês, mas medidas anti-capitalista, “pró-personalidade própria” e capazes de fomentar a valorização do direito à diferença seriam certamente valorizadas.
Assim como os especuladores, os fraudulentos e os mercados financeiros não são um conceito abstracto e têm nomes, culpa e vergonha escritas na cara, a criadora destes conceitos irreais são Multinacionais e Companhias reais.
Para uma pessoa de classe média e cliente habitual de Centros Comerciais, estes nomes são comuns: Bershka, Pimkie, C&A ( não tanto mas também), Stradivarius, Triumph, Women’Secret, Pull and Bear (não tanto na secção masculina), Gant, anúncios a perfumes, entre muitos, muitos outros. Basta um dia de compras para nos apercebermos deste facto. Na Dança: o Conservatório Nacional, Companhia Nacional, entre quase todas as Companhias e Conservatórios existentes.
Enquanto o segundo grupo pode ser um ataque polémico quanto à organização da própria arte, que pode ter imensas implicações e levantar mais questões que a ajudar à concretização de objectivos activistas, o primeiro grupo afecta-nos intimamente, é de "fácil" compreensão e resolução e é claramente o maior responsável desta perversão de conceitos.
Temos contra quem nos virar, alvos reais, palpáveis e presentes, não fazemos porque não o desejamos. Talvez porque são grandes demais. Mas nada é grande demais para levar com a responsabilidade do que fazem.
Uma decisão política não chega, mas ajuda. Uma nacional e outra, essencialmente, internacional.
Isto afecta-nos mais do que julgamos. Destrói-nos a personalidade, tal como um bully destrói a das vitimas num bullying constante e masoquista. O Miguel apelidou os portugueses de masoquistas, eu direi que é um problema além-fronteiras. Somos ovelhas reprimidas, homossexuais em tentativa de tratamento de reconversão.
Afinal, o Capitalismo louco é para ser combatido em todas as suas vertentes ou só em algumas?
A notícia desastrosa da morte da modelo foi apenas um pretexto para relembrar a relutância social e partidária em mudar estes conceitos, a custo de vidas e da felicidade dos próprios. Como sempre, temos a noção que somos nós que temos tudo errado, o sistema sabe sempre mais que os próprios. Este é um balanço altamente negativo, feito ao longo de 7 anos, que revela o desinteresse no assunto e a falta de coragem que por aí anda.
Na minha opinião, todas as tentativa com vista à mudança real falharam. É preciso atacar o coração e não só braço, se quisermos realmente matar o mal. Um ataque certeiro e feroz.
Para quando a nossa vida? Continuamos a fingir desejar esqueletos, mesmo que não os desejemos? Continuamos a vender-nos a qualquer preço? A fechar os olhos? A ignorar a importância do assunto? A sermos iguais num sistema que nos quer igual? A fazer tudo por aceitação? Ou está na altura da revolta?!
Caros leitores, as reais porcas da Indústria dos esqueletos somos nós próprios.
Catarina.
[A continuação da crítica à Indústria da Moda continua no post seguinte]
Alguns dos artigos consultados:
http://en.wikipedia.org/wiki/Beauty
http://www.euronews.net/newswires/664045-french-no-anorexia-model-dies-at-age-of-28/
http://www.youtube.com/watch?v=aTIjRxT_Y9g
http://www.youtube.com/watch?v=D9jHlBoAMyU&feature=channel
http://www.youtube.com/watch?v=uB1dsmTGFbI
http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2008/04/15/bons-exemplos-franca-vota-lei-para-punir-incitacao-a-anorexia/
http://www.movimentorevolucionario.org/artigos/anorexia.html [20/04/2008]
http://en.wikipedia.org/wiki/Bulimia
http://en.wikipedia.org/wiki/Anorexia_nervosa
http://en.wikipedia.org/wiki/Anti-fat_bias
http://en.wikipedia.org/wiki/Fasting_girls
http://br.noticias.yahoo.com/s/29122010/11/saude-anorexia-morte-modelo-reaviva-alerta.html
"Anorexia e Bulimia" de Isabel do Carmo.