sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Crime sem Vítimas

... Ontem, 30 de Setembro, foi o Dia da Blasfémia.

Em 2005, nesta data, a publicação de caricaturas do profeta Mohammed num jornal dinamarquês foi considerada ofensiva pela população muçulmana. A facção radical do islão respondeu a um desenho com protestos que levaram à morte de pelo menos 137 pessoas e incêndios a embaixadas.

Não existe tal coisa como um direito a não ser ofendido.* Mas existe um direito de liberdade de expressão.


Como dizia Voltaire, «Posso não concordar com o que dizes, mas lutarei até ao fim pelo teu direito a dizê-lo».


*ADENDA (ou: «considero o comentário do Miguel muito ofensivo»):
O Miguel, que entende destas coisas, esclareceu que esta afirmação não está, a seu ver, inteiramente correcta à luz do Direito português. Ele lembra que, de acordo com a Constituição da República Portuguesa no artigo 29º, e no Código Penal no artigo 180º, abaixo transcrito.

«Capítulo VI, "dos crimes contra a Honra", artigo 180.º

1- Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias. »

...demonstrando que a minha afirmação não é adequada. Terá razão, que não sou eu, um leigo no assunto, que o vou desmentir. Mas permitam-me ser teimoso.

A passagem citada não nega a minha afirmação. Eu disse que não existe direito a não ser ofendido, enquanto a Constituição diz que existe direito a não ter a sua honra ou consideração ofendidas. Pode parecer uma diferença subtil, mas parece-me que não o é.

O que a Constituição me proibe é de sair por aí a fazer acusações ofensivas sobre as pessoas. E eu concordo. Se eu me virasse para alguém e a acusasse de algo falso ou ofensivo, estaria de facto a afrontar a lei. Mas isto difere de eu fazer uma afirmação ou acção que não é sobre nenhuma pessoa em particular, mas que alguém decide considerar ofensivo.

As religiões (e cito-as como exemplo por causa do contexto do post, porque poderia usar outros exemplos) são cheias de coisas destas: por exemplo, muitos cristãos decidiram achar «ofensivo» que se descarte um óvulo fecundado. Já morreram pessoas por isto. Muitos muçulmanos consideram, vá-se lá saber porquê, «ofensivo» que se coma durante uma determinada altura do ano (e também já morreu gente por esse «crime»). E a existência de homossexuais é considerada «ofensiva» pelas sensibilidades de quase tudo quanto é membro destas religiões. Eu considero pessoalmente ofensivo que alguém diga que as Alterações Climáticas são uma fraude, mas essa opinião não constitui difamação porque não é uma ofensa dirigida à minha pessoa.

Em suma, embora haja, de facto, um direito a não ser ofendido, esse direito está limitado a uma gama estreita de situações em que a ofensa é dirigida à honra de uma pessoa. Ninguém tem o direito de censurar opiniões, proferidas de livre expressão, porque as considere ofensivas, enquanto essas opiniões não constituam difamação.

Esta sempre foi a minha interpretação da Lei e nem vejo outra que faça sentido. Caso contrário, a própria existência de algumas pessoas seria ilegal porque há quem a considere ofensiva... Mas talvez eu esteja enganado? Que o comentariato me julgue.

*Resposta ao texto, acima, no post: Resposta ao "Crime sem Vítimas"

3 comentários:

  1. "Não existe tal coisa como um direito a não ser ofendido."

    Esta frase é incorreta e está mal formulada em termos jurídicos.

    Por acaso existe um direito que tem haver com isso. O Direito ao bom nome, ou, o direito a honra. Se este for violado está sujeita a punição por multa ou prisão dependendo do tipo de atentado à honra. Isto está explícito no código penal português no capitulo XI.

    A liberdade de expressão é um direito. Tal como é direito a honra e bom nome de uma pessoa. Que não se confunda liberdade de expressão com difamação ou injúria.

    "A liberdade de um acaba quando começa a liberdade do outro."

    Não digo que neste caso as normas jurídicas se apliquem, mas a frase "Não existe tal coisa como um direito a não ser ofendido. Mas existe um direito de liberdade de expressão." está completamente errada.

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  2. Difamação é diferente de ofensa, Miguel. Claro que tu é que és o perito aqui, e longe de mim contradizer-te, mas a ofensa per se não é algo de que se possa estar legalmente protegido.

    Há uma diferença grande entre (a) proibir-me de lançar acusações infundadas ao bom nome de alguem e (b) proibir-me de desenhar uma figura histórica porque alguém resolveu que isso era "ofensivo".

    Se a ofensa fosse proibida, estávamos muito mal em termos de liberdade de expressão.

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  3. "Não existe tal coisa como um direito a não ser ofendido."

    Essa frase está errada e não tem sentido. O que eu estou a dizer é que a frase transncrita está incorrecta, é só isso, não estou interessado em discutir se as normas jurídicas do código penal podem ser aplicadas ao caso particular das caricaturas.

    Não podemos esquecer que não existe uma hierarquia legal entre o direito ao bom-nome e à honra e a liberdade de expressão. São direitos em pé de igualdade no plano jurídico.

    No atentado à honra, inclui-se a injúria, a ofensa a difamação e por aí.

    Concordo com a tua opinião e tudo isso, mas tens duas frases que essas é que ponho em causa, uma já abordei, e a outra vou abordar.

    Outra:

    "mas a ofensa per se não é algo de que se possa estar legalmente protegido."

    Aqui é que te enganas...
    Porque é claro que se está. O Direito à honra e ao bom-nome trata-se disso. Isto não é uma questão só de "per se", isto é uma questão de "lex".

    A lei pronuncia-se sobre isso no artigo 29º da CRP. E neste artigo que aqui te transcrevo:

    Capítulo VI, "dos crimes contra a Honra", artigo 180.º

    1- Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

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