quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Do Tea Party (outra vez)
A Rolling Stone, de vez em quando, publica umas coisas interessantes. Desta vez, o Matt Taibbi dedicou-se a escrutinar o Tea Party num artigo de 15 de Outubro. Ele infiltrou-se no movimento, aprendeu as motivações, a história e a retórica teabagger e expôs toda a sua inanidade hipócrita de forma demolidora.
«Vastas florestas têm sido sacrificadas pelo debate público sobre o Tea Party: o que é, o que significa, onde se dirige. Mas após estudo aturado do fenómeno, concluí que toda a narrativa miserável se resume num facto marcante: eles são infundados como a merda. Todos eles. Ao nível do eleitor, o Tea Party é um movimento que afirma estar furioso a respeito de gastos do governo — mas na realidade a vasta maioria dos seus membros são ex-apoiantes de Bush que bocejaram durante dois termos de défices recordes e passaram os dois últimos ciclos eleitorais a preocuparem-se não com os gastos mas com as medalhas do John Kerry e as associações dos anos ’60 de Barack Obama. O membro médio do Tea Party é sinceramente contra os gastos do governo — com a excepção do dinheiro gasto neles.»
Explica Taibbi, expondo as conclusões a que chegou após interrogar os pseudo-insurgentes numa manifestação. De seguida, Taibbi descreve o percurso histórico do movimento, desde a sua origem como um movimento genuinamente insurgente de dissidentes anti-GOP, preocupados com a intervenção estatal em todas as áreas (incluindo em campos que são tipicamente o domínio do GOP, como guerra, drogas, o Pratriot Act, a prostituição, o aborto e o jogo, etc), até ser assimilado e transformado num fantoche republicano. Mantendo a retórica ultra-reaccionária e ultra-conservadora, o Tea Party foi reduzido a uma amálgama entre pseudo-valores conservadores e um vago sentimento pró-corporações e anti-governo (ou, melhor dizendo, anti medidas governamentais que desagradam às suas opiniões).
Esta situação, como o Taibbi descreve, não deixa de ser ilustrativa de outro problema na política americana, nomeadamente o bipartidarismo exacerbado, de tal forma que qualquer movimento dissidente da linha guia Republicana-Democrata é abortado, ainda numa fase incipiente, e incorporado num desses dois grandes grupos.
«Na narrativa do Tea Party, a vitória nas eleições representa uma nova revolução americana, uma que “trará o nosso país de volta” de tudo aquilo de que desaprovam. Mas o que não se apercebem é que há um círculo vicioso: estamos na América, e temos um sistema oligárquico arraigado que nos isola de toda e qualquer mudança política significativa. O Tea Party está hoje a ser representado nos media como uma grande ameaça ao GOP; na realidade, o Tea Party é o GOP. Quaisquer poucos elementos do movimento que ainda não estejam sob o controlo do Partido Republicano estarão em breve, e mesmo que alguns poucos candidatos genuínos do Tea Party consigam esquivar-se, é apenas uma questão de tempo antes que a revolta como um todo seja castrada, tal como todos os movimentos das massas neste país. Os seus líderes serão comprados e absorvidos na burocracia bipartidária, onde a sua plataforma será diluída até que as únicas coisas que restam sejam as que os contribuintes do GOP desejam: quebras de impostos para as camadas elevadas, negócio livre e desregulação financial.»
(De facto, eu acrescentaria que qualquer movimento que procure a mudança, por suave que seja, se vê estrangulado pelo status-quo. Recordemos as tentativas fracassadas de Obama para promover mudanças significativas no sistema de saúde, sistema prisional, entre outros. Convém recordar que, embora as promessas eleitorais do presidente americano se tenham revelado vácuas, em grande parte isso se deveu às contingências sistemáticas enraizadas na inércia política americana. Mas fujo ao assunto…)
A nova organização do Tea Party, que deixa de ser um movimento de massas conservadoras (que procurava «inverter o relógio, trazendo a América até ao momento da sua criação constitucional») para passar a ser um movimento conservador associado a temas típicos do retrogradorismo americano, promove portanto uma nova aliança com as massas rurais, através dos iscos típicos da religião, da homofobia e, claro, da raça (mesmo que disfarçada como uma questão de “patriotismo”), um ponto de grande importância no contexto do Tea Party. O movimento não tem nada de inerentemente racista, mas parece atrair toda a extrema-direita e aproveita-se dos preconceitos da população branca, de meia-idade e rural que é o seu público-alvo. A título exemplificativo, o artigo relembra o Acto dos Direitos Civis de 1964, que proibiu a descriminação racial nas empresas privadas («a ferramenta que os americanos se viram forçados a usar para acabar com um monstruoso sistema de apartheid que por um século fora a vergonha de toda a civilização ocidental»), e que os teabaggers consideram ser um abuso de poder governamental — um modo perfeito de mascarar a opinião racista de que os estrangeiros (negros, mexicanos ou quem quer que seja sobre quem a paranóia anti-imigração recair amanhã) não têm os mesmos direitos, incorporando-a na fraseologia de emancipação do Estado.
Em suma, o Tea Party torna-se num golpe mediático republicano. Como diz Taibbi, na sua exposição da realidade do movimento:
«Sob a superfície, o Tea Party é pouco mais que uma estranha e desorganizada multidão, uma federação de riscas de conservadorismo distintas e frequentemente competidoras que se viram incapazes de convalescer sob um líder por eles escolhido. As suas manifestações incluem não apenas libertarians hardcore deixados dos “Tea Parties” originais de Ron Paul, mas também promotores do direito às armas, cristãos fundamentalistas, grupos de pseudo-milícias como os Oath Keepers (um grupo de agentes da autoridade e profissionais militares que juraram desobedecer ordens “inconstitucionais”) e Republicanos mainstream que simplesmente perderam a fé no seu partido. É um erro considerar o Tea Party como um movimento coesivo e unificado — o que os faz uma presa fácil para as próprias pessoas contra quem deveriam estar a dirigir as suas forquilhas. Uma definição vaga do Tea Party pode ser milhões de pessoas brancas furiosas que foram enviadas para perseguir mexicanos que beneficiam do Medicaid pela mão-cheia de bancos e firmas de investimento que anunciam na Fox e na CNBC.»
Eis uma definição que acerta no âmago da identidade teabagger. Proponho que leiam o artigo completo.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
O Analfabeto político, a ideologia, e o Reality Show.
domingo, 26 de setembro de 2010
A proibição do véu integral islâmico em França
sábado, 25 de setembro de 2010
O Cavaco e a sua arte, a ordenha.
O Conhecimento é Livre!
A ACAPOR, Associação representativa dos clubes de vídeo portugueses, iniciou um procedimento administrativo com vista ao bloqueio do acesso ao site “The Pirate Bay” através de território português.
E viva a legislação de copyright! A fim de proteger o monopólio dos clubes de vídeo sobre um objecto físico, de plástico, a ACAPOR quer interceptar toda a troca de informação entre Portugal e os servidores suecos do Pirate Bay.
Já vai sendo altura de acabar com esta aldrabice. O sistema de software livre é uma necessidade dos tempos modernos, de um mundo não mais adaptado às relíquias históricas das patentes sobre informação. É por isso que é preciso lutar pelo fim das restrições monopolistas que nos privam das liberdades básicas da era da informação, nomeadamente:
- A liberdade de executar programas como quisermos;
- A liberdade de estudar programas, perceber o que fazem e alterá-los;
- A liberdade de distribuir cópias dos programas e ajudar os outros;
- A liberdade de distribuir as alterações feitas aos programas, contribuindo para os melhorar.
Estas liberdades fundamentais seguem do facto de um programa de computador ser um conjunto de instruções matemáticas que o hardware calcula. Por outras palavras, o software é álgebra. Imagine-se alguém a querer impedir a liberdade de fazer contas, estudá-las, ajudar os outros e distribuir novas equações matemáticas e percebe-se o absurdo das limitações distributivas de software. O que temos é um sistema em que compramos contas para fazer nas nossas calculadoras mas estamos proibidos sequer de saber que contas são essas!
O software não é propriedade. É conhecimento. E o conhecimento, como dizem as palavras de ordem, é livre. Não se vende, distribui-se, investe-se na sua criação. Examina-se, compreende-se, usa-se e partilha-se.
O Código de Direitos de Autor diz que posso copiar para uso pessoal desde que não afecte o seu valor comercial. A lei é pouco abrangente, porque fala só acerca de «cópia», um conceito mal definido — posso pedir emprestado, emprestar, cantar, memorizar? O problema com estas leis é que são anacronísticas, relíquias de um tempo em que não havia computadores nem Internet, em que copiar um livro era imprimir um molho de papéis e copiar um disco exigia equipamento especializado. A lei regulava a distribuição e a cópia apenas enquanto actividades comerciais, especializadas, fora do alcance das pessoas comuns.
Mas a informática mudou o mundo da cópia radicalmente. Neste momento uma cópia (de um livro, filme, música, programa informático) é um conjunto de dados, de zeros e uns. Ao ler uma webpage estamos a copiá-la do servidor para o nosso PC. Ao enviar um e-mail, estamos a enviar uma cópia daquilo que escrevemos. Ao instalar um programa, estamos a copiá-lo para o disco e ao executá-lo, estamos a copiá-lo para a memória. Na era informática, a cópia é trivial.
Desta forma, uma lei que regulava apenas algumas actividades especializadas, procurando equilibrar direitos do distribuidor, do autor e do consumidor, passou a fazer com que as actividades mais básicas se tornassem proibidas. A tecnologia melhorou e, por esse motivo, tudo o que antes se fazia sem regulação passou a exigir autorização dos distribuidores.
Um post num blogue não é o sítio ideal para expor todos os aspectos técnicos ou comerciais que rodeiam a questão e as questões que deixei por responder são muitas: serão as leis de copyright em benefício dos autores? Deverá a liberdade de cópia ficar restrita ao software? E economicamente, será verdade que o download «ilegal» é responsável por milhares de euros de prejuízo? Talvez volte a abordar alguns destes temas no futuro. Por agora, proponho que passem pela Associação Nacional para o Software Livre e dêem uma vista de olhos ao que eles têm a dizer.
Impudícia! Devassidão! Valha-me N.ª Sr.ª Mãe de Deus!!!
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
E que tal sobre os computadores?
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
O anarco-capitalismo não é só bipolar, é também arrogante. Receita médica: COMUNISMO
O «anarquismo» bipolar
Enquanto o tema está em voga, gostava de dizer algumas palavras a respeito do bizarramente baptizado libertarianism (em inglês porque o seu significado, na América, difere do significado daquilo a que o resto do mundo chama libertarismo) e do seu filho mimado, o «anarco»-capitalismo (passe o oximoro).
Estes seres desorientados podem ser encontrados na marcha do Tea Party mais próxima, transportando o Atlas Shrugged num braço e cartazes denunciando o Big Government no outro… e já vai sendo tempo que se reconheça a sua retórica lunática pela verborreia bipolar que é.
Bipolar por causa das suas duas pretensões concorrentes: por um lado, pela pretensão de um capitalismo laissez-faire, sem Estado, ou de Estado limitado (algo naturalmente contraditório). E por outro, pela pretensão de que possa haver anarquismo sob o capitalismo, de que a messiânica liberdade possa alcançar-se pela dissolução do Estado sem um processo prévio de socialização dos meios de produção.
Começando pela segunda, é verdade que o Estado é um mecanismo coercivo, e o socialismo faz tradicionalmente uso deste facto quando afirma que o Estado é o mecanismo de legitimação da opressão da classe explorada pela classe opressora. Analisaremos mais à frente as implicações desta constatação quando nos debruçarmos sobre a primeira pretensão que eu enunciei mais acima.
Por outro lado, é evidente que o conflito de mercado é conducente ao estabelecimento, se não de monopólios, pelo menos de grandes grupos económicos; ou por outras palavras, o capitalismo promove (aliás, define-se como) acumulação de capital (nas mãos dos proprietários). Porquê?
Porque é apanágio do capitalismo — a livre troca de bens e serviços — que o receptáculo da riqueza produzida seja o proprietário do capital, e não o trabalhador que produziu essa riqueza. Posto desta forma, torna-se evidente que aquele que possui capital está apto a coleccionar mais, à custa daquele que não o possui. Este sistema é inevitavelmente conducente à desigualdade social e à acumulação do poder económico nas mãos de uma minoria burguesa. O Capital concentra poder económico à custa do Trabalho.
Ora, poder económico equivale de facto a poder político e, como o Miguel expôs e eu tentei clarificar, equivale a poder de coerção — a propriedade privada e o mercado são contendores de poder coercivo. Afinal de contas, a motivação primária do Privado é a maximização do lucro (a função de utilidade do Homo œconomicus) e o modo que a História demonstrou ser mais conducente à acumulação do lucro é a exploração capitalista do trabalhador — uma forma de coerção.
Os empresários assemelham-se portanto menos a benfeitores e mais a mercenários, pois como disse Adam Smith n’A Riqueza das Nações, «Não é da benevolência do talhante, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da sua consideração pelo seu auto-interesse». Um mundo governado por uma oligarquia burguesa é a consequência inexorável do «anarquismo» capitalista, e nesta situação a liberdade económica é a liberdade da classe privilegiada para explorar livremente a grande maioria da população.
Alguns exemplos práticos da exploração que floresce sob a ausência de regulação são o despedimento sem justa causa, a competição sem consideração pelo bem-estar social ou ambiental, os horários à vontade do patrão, a discriminação na hora da contratação, o trabalho forçado e o trabalho infantil, et cætera. E, como a acumulação de capital se traduz no estabelecimento de monopólios, verificar-se-ia igualmente a eliminação do negócio tradicional e regional, a prática de preços à vontade do produtor, a homogeneização da oferta e a desconsideração pela qualidade dos produtos a nível, por exemplo, de saúde ou de carácter educativo.
É este o resultado quando o Capital decide limitar o Estado: a criação de um substituto para o mesmo, composto pela oligarquia burguesa, conducente à exacerbação da exploração capitalista. De forma aparentemente contraditória, mas em verdade inevitável, resulta daqui que o libertarianism, ao aumentar a liberdade da classe burguesa, reduz a liberdade da população em geral.
É esta a primeira das contradições do «anarco»-capitalismo (espero que por esta altura o leitor consiga identificar o porquê das aspas, dado que a mesma ideologia que promete esmagar a liberdade, embora de forma dissimulada, se denomina anarquista e usa fraseologia libertária). A segunda é talvez mais subtil: o facto de o capitalismo ser dependente da existência de um Estado.
Dizia eu mais acima que o Estado é um mecanismo de legitimação da opressão de uma classe por outra. É necessário um Estado para justificar a exploração do proletário pelo burguês e sem Estado a burguesia perde qualquer base em que sustentar a sua actividade.
Isto ocorre porque é necessário um Estado coercivo que garanta ao Capital o «direito» de propriedade. O Estado é uma peça-chave do capitalismo, reestruturado numa superestrutura de repressão, de uso imperialista e de reforço da hegemonia de classe.
Ocorre ainda porque o Estado é detentor de sectores não-rentáveis, mas que são fundamentais à actividade das áreas de lucro máximo. O Estado, ao assegurar a manutenção das áreas pouco lucrativas da economia, garante portanto o suporte do próprio sistema capitalista, que não se vê forçado a fazer investimentos que lhe não sejam lucrativos.
Assim, para os defensores da economia de mercado, o único papel em que o Estado é eliminado é enquanto detentor de meios de produção, retirando proveito dessa eliminação a élite proprietária e o patronato, mas não o resto da população. O ideal capitalista, portanto, é de um sector público em regressão, mas apenas nos meios de produção que se tornaram rentáveis!
Conclui-se, então, que o Estado é instrumento necessário à ditadura da burguesia, sendo esta a segunda contradição irreconciliável do libertarianism.
Por outro lado, vejamos o que nos diz a alternativa socialista: que os meios de produção são um produto comunitário e o capital é um bem social. Deste ponto de vista, o Estado é manifestamente supérfluo, tornando-se um anacronismo, pois não há classe exploradora que exija legitimação. Como diz o próprio Frederick Engels, em Socialismo: Utópico e Científico:
«A interferência estatal nas relações sociais torna-se, num domínio a seguir ao outro, supérflua, e eventualmente morre por si mesma; o governo das pessoas é substituído pela administração das coisas, e pela conduta dos processos de produção. (…) Na proporção em que a anarquia da produção social se desvanece, a autoridade política do Estado morre.»
Então afinal, quem é que quer menos intervenção estatal?