quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Do Tea Party (outra vez)


A Rolling Stone, de vez em quando, publica umas coisas interessantes. Desta vez, o Matt Taibbi dedicou-se a escrutinar o Tea Party num artigo de 15 de Outubro. Ele infiltrou-se no movimento, aprendeu as motivações, a história e a retórica teabagger e expôs toda a sua inanidade hipócrita de forma demolidora.

«Vastas florestas têm sido sacrificadas pelo debate público sobre o Tea Party: o que é, o que significa, onde se dirige. Mas após estudo aturado do fenómeno, concluí que toda a narrativa miserável se resume num facto marcante: eles são infundados como a merda. Todos eles. Ao nível do eleitor, o Tea Party é um movimento que afirma estar furioso a respeito de gastos do governo — mas na realidade a vasta maioria dos seus membros são ex-apoiantes de Bush que bocejaram durante dois termos de défices recordes e passaram os dois últimos ciclos eleitorais a preocuparem-se não com os gastos mas com as medalhas do John Kerry e as associações dos anos ’60 de Barack Obama. O membro médio do Tea Party é sinceramente contra os gastos do governo — com a excepção do dinheiro gasto neles

Explica Taibbi, expondo as conclusões a que chegou após interrogar os pseudo-insurgentes numa manifestação. De seguida, Taibbi descreve o percurso histórico do movimento, desde a sua origem como um movimento genuinamente insurgente de dissidentes anti-GOP, preocupados com a intervenção estatal em todas as áreas (incluindo em campos que são tipicamente o domínio do GOP, como guerra, drogas, o Pratriot Act, a prostituição, o aborto e o jogo, etc), até ser assimilado e transformado num fantoche republicano. Mantendo a retórica ultra-reaccionária e ultra-conservadora, o Tea Party foi reduzido a uma amálgama entre pseudo-valores conservadores e um vago sentimento pró-corporações e anti-governo (ou, melhor dizendo, anti medidas governamentais que desagradam às suas opiniões).

Esta situação, como o Taibbi descreve, não deixa de ser ilustrativa de outro problema na política americana, nomeadamente o bipartidarismo exacerbado, de tal forma que qualquer movimento dissidente da linha guia Republicana-Democrata é abortado, ainda numa fase incipiente, e incorporado num desses dois grandes grupos.

«Na narrativa do Tea Party, a vitória nas eleições representa uma nova revolução americana, uma que “trará o nosso país de volta” de tudo aquilo de que desaprovam. Mas o que não se apercebem é que há um círculo vicioso: estamos na América, e temos um sistema oligárquico arraigado que nos isola de toda e qualquer mudança política significativa. O Tea Party está hoje a ser representado nos media como uma grande ameaça ao GOP; na realidade, o Tea Party é o GOP. Quaisquer poucos elementos do movimento que ainda não estejam sob o controlo do Partido Republicano estarão em breve, e mesmo que alguns poucos candidatos genuínos do Tea Party consigam esquivar-se, é apenas uma questão de tempo antes que a revolta como um todo seja castrada, tal como todos os movimentos das massas neste país. Os seus líderes serão comprados e absorvidos na burocracia bipartidária, onde a sua plataforma será diluída até que as únicas coisas que restam sejam as que os contribuintes do GOP desejam: quebras de impostos para as camadas elevadas, negócio livre e desregulação financial.»

(De facto, eu acrescentaria que qualquer movimento que procure a mudança, por suave que seja, se vê estrangulado pelo status-quo. Recordemos as tentativas fracassadas de Obama para promover mudanças significativas no sistema de saúde, sistema prisional, entre outros. Convém recordar que, embora as promessas eleitorais do presidente americano se tenham revelado vácuas, em grande parte isso se deveu às contingências sistemáticas enraizadas na inércia política americana. Mas fujo ao assunto…)

A nova organização do Tea Party, que deixa de ser um movimento de massas conservadoras (que procurava «inverter o relógio, trazendo a América até ao momento da sua criação constitucional») para passar a ser um movimento conservador associado a temas típicos do retrogradorismo americano, promove portanto uma nova aliança com as massas rurais, através dos iscos típicos da religião, da homofobia e, claro, da raça (mesmo que disfarçada como uma questão de “patriotismo”), um ponto de grande importância no contexto do Tea Party. O movimento não tem nada de inerentemente racista, mas parece atrair toda a extrema-direita e aproveita-se dos preconceitos da população branca, de meia-idade e rural que é o seu público-alvo. A título exemplificativo, o artigo relembra o Acto dos Direitos Civis de 1964, que proibiu a descriminação racial nas empresas privadas («a ferramenta que os americanos se viram forçados a usar para acabar com um monstruoso sistema de apartheid que por um século fora a vergonha de toda a civilização ocidental»), e que os teabaggers consideram ser um abuso de poder governamental — um modo perfeito de mascarar a opinião racista de que os estrangeiros (negros, mexicanos ou quem quer que seja sobre quem a paranóia anti-imigração recair amanhã) não têm os mesmos direitos, incorporando-a na fraseologia de emancipação do Estado.

Em suma, o Tea Party torna-se num golpe mediático republicano. Como diz Taibbi, na sua exposição da realidade do movimento:

«Sob a superfície, o Tea Party é pouco mais que uma estranha e desorganizada multidão, uma federação de riscas de conservadorismo distintas e frequentemente competidoras que se viram incapazes de convalescer sob um líder por eles escolhido. As suas manifestações incluem não apenas libertarians hardcore deixados dos “Tea Parties” originais de Ron Paul, mas também promotores do direito às armas, cristãos fundamentalistas, grupos de pseudo-milícias como os Oath Keepers (um grupo de agentes da autoridade e profissionais militares que juraram desobedecer ordens “inconstitucionais”) e Republicanos mainstream que simplesmente perderam a fé no seu partido. É um erro considerar o Tea Party como um movimento coesivo e unificado — o que os faz uma presa fácil para as próprias pessoas contra quem deveriam estar a dirigir as suas forquilhas. Uma definição vaga do Tea Party pode ser milhões de pessoas brancas furiosas que foram enviadas para perseguir mexicanos que beneficiam do Medicaid pela mão-cheia de bancos e firmas de investimento que anunciam na Fox e na CNBC.»

Eis uma definição que acerta no âmago da identidade teabagger. Proponho que leiam o artigo completo.

Sem comentários:

Enviar um comentário