quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Oscar Niemeyer - A vida é um sopro de 103 anos



"Uma vez eu tive um sonho. Eu sonhei que o Rio de Janeiro não tinha sido ocupado, que a cidade tinha crescido lá para o interior. Então eu tinha chegado na janela, e tinha visto o mesmo panorama que o Cabral viu quando chegou, não é? aquela Natureza fantástica, aquilo tudo, os pássaros, os bichos.. E a cidade recuada, seria um paraíso assim guardado no tempo... Por isso é que um dia o Sartre disse -quem sabe que o mundo não seria bem melhor sem os Homens? "


É assim que começa o documentário A vida é um sopro, sobre a vida e obra de Oscar Niemeyer, realizado por Fabiano Maciel em 2007. Neste ano Niemeyer estava prestes a completar os seus 100 anos. Hoje está próximo dos 103, que celebra a 15 de Dezembro.

Oscar Niemeyer é um arquitecto brasileiro, nascido no Rio de Janeiro em 1907, e considerado dos maiores nomes da arquitectura moderna mundial. Os trabalhos que fizeram Niemeyer mais célebre são os edifícios que projectou para a cidade de Brasilia, na altura da construção da capital.

Neste documentário delicioso podemos recordar com Niemeyer um passado muito distante, que remonta aos primórdios da sua carreira que conta já com 75 anos.

Nunca parando de fumar, falando de forma descontraída composta de pesados palavrões, Niemeyer conta as suas experiências aprendendo o modernismo, teorizado especialmente por Le Corbusier, guru do funcionalismo na arquitectura. O Brasileiro fala das conversas e colaborações que fez com o Francês, e desta forma aprendeu o que ele defendia e teorizava.


"Lembro-me do contacto que tive com Le Corbusier, e o mais importante foi o dia em que ele me disse: Arquitectura é inovação.. . E isso depois eu compreendi lendo diversos livros... Quando eu li o poeta francês, não me lembro do nome agora (Baudelaire), ele dizia que a invenção, o espanto, é a característica principal da obra de arte. De modo que, em minha arquitectura, o que eu faço é ter como preocupação inicial que seja diferente, é que o povo pare, surpreso de ver uma coisa nova. "


Mas conta-nos também, e sobretudo, as suas considerações próprias e pessoais que lhe permitem dar rapidamente o salto da linha recta e simplista do modernismo, para a linha curva, que me impesso de descrever, usando para isso duas citações.


"Não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura, inflexível, criada pelo Homem. O que me atrai é a linha curva e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein."


Oscar Niemeyer in A vida é um sopro

"É sabido que Oscar Niemeyer odeia o capitalismo e odeia o ângulo recto. Contra o ângulo recto, que ofende o espaço, ele tem feito uma arquitectura leve como as nuvens, livre, sensual, que é muito parecida com a paisagem das montanhas do Rio de Janeiro... São montanhas que parecem corpos de mulheres deitadas, desenhadas por Deus, no dia em que Deus achou que era Niemeyer."


Eduardo Galeano in A vida é um sopro

Niemeyer é comunista, extremista, orgulhosamente fundamentalista. A sua vida é marcada por uma devoção aos seus camaradas no mundo inteiro, cubanos, soviéticos e outros.Em 1963 é homenageado com o prémio Lenine da paz, prémio já anteriormente oferecido aos seus compatriotas Jorge Amado e Eliza Branco. Em 1975 é inaugurada a sede do partido comunista francês, em paris, obra de Niemeyer.


Niemeyer cita George W. Bush no documentário, falando sobre a vez em que o presidente americano fala, em tom de proposta, sobre trocar metade da dívida brasileira pela Amazónia. Niemeyer refere-se a este como um bom filho da puta, sentindo-se indignado por as pessoas ouvirem isto e não protestarem.


Protestar é parte da obra artística de Niemeyer, também. Conta com diversos monumentos de protesto, como o monumento aos operários em Volta Redonda, 1989. Certa vez é convidado para um projecto nos EUA. Planeia, então, viajar. Depara-se com o facto de não conseguir visto e pergunta se é pessoal. No consolado respondem que sim. Niemeyer fica feliz, "Se depois de vinte anos me negam um visto, é sinal de que eu não mudei."


Entre diversos autores e nomes conhecidos de diversas nacionalidades que falam de Niemeyer neste documentário, encontram-se José Saramago, que diz que não felicitará o arquitecto por não renunciar aos seus principios, por ser a mais pura demonstração da sua humanidade; e Mário Soares, que afirma que cada vez que visita o Rio de Janeiro, janta com Aparecido de Oliveira e com Oscar. Mário Soares fala de uma das ultimas vezes que lá foi, em que o prefeito de Niterói contou como Oscar Niemeyer escolheu o lugar onde iria ser construido o futuro museu de arte contemporânea. Mário Soares e o prefeito assistiram, pouco tempo depois, a Niemeyer, no próprio papel da mesa de uma churrascaria, desenhando aquele que era o primeiro esboço do museu, e que é exactamente aquilo que se vê hoje, depois da sua construção.


Apesar de toda a luta da vida de Niemeyer pela igualdade social, pela transformação do mundo, a sua arquitectura tem propósitos diferentes. O objectivo das obras arquitectónicas de Oscar Niemeyer é a forma bela e maravilhosa, nada mais, nada menos.



"(...)
Estou puto da vida
Essa gripe não passa
De ouvir tanta besteira nao me posso conter
Um dia eu me queimo,
Largo isso tudo
É aí no Brasil que eu quero viver
Isso aqui não me serve
Não me serve de nada
A decisão está tomada
Ninguém vai-me deter
Que se foda o trabalho,
Esse mundo de merda,
É aí no Brasil que eu quero viver."


"Eu acho que a vida é um minuto, o ser humano é desprezado, nasce, morre. Então a gente tem de olhar para o céu e sentir que é pequenina, e tem de ser modesto, que nada é importante. A vida é um sopro, um minuto. Não há razão para esse ódio todo."


"(...) a resposta a tudo isso é simples: nasceu, morreu, fodeu-se."
www.youtube.com/watch?v=AYRNEzQBdlM Trailer do documentário.














2 comentários:

  1. "Apesar de toda a luta da vida de Niemeyer pela igualdade social, pela transformação do mundo, a sua arquitectura tem propósitos diferentes. O objectivo das obras arquitectónicas de Oscar Niemeyer é a forma bela e maravilhosa, nada mais, nada menos."

    E pergunto eu, porquê "apesar de"?
    Parabéns pelo blogue.
    CA

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  2. porque ele pouco ou nada transporta aquilo que são ideologias políticas e sociais para as suas obras arquitectónicas. É certo que tem certos monumentos esculptóricos que representam certos ideais, mas no que toca aos edifícios, não. Existe, aliás, uma prenda de Niemeyer a Fidel Castro, uma escultura que representa a resistência anti-americana: uma figura monstruosa que ameaça um homem pequeno empunhando uma bandeira de cuba.

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